Aplanadas

Tinha ojeriza ao que não estivesse relacionado ao seu trabalho. Devido ao burnout, foram decretadas férias compulsórias. Destino: praia. Abarrotou duas malas grandes com roupas, sapatos e o que mais ainda coubesse- se fizer calor, frio, ventar, chover, nevar?

Sem dilação, acomodou o notebook e todos os componentes possíveis. Certificou-se de amealhar carregadores para evitar desplugar-se.

Ao adentrar no hotel, lembrou que não tinha biquini, chapéu, esteira. Não possuía nenhum item associado ao merecido lazer. Ao entrar no quarto, verificou que as tomadas continham padrão distinto dos seus eletrônicos. Férias e desconexão compulsórias.

Afobada, dirigiu-se para aquisição das vestes adequadas para aproveitar o verão escaldante. No caminho, ouviu:

Vamos a la isla. ¿El barco ya sale?

Incontinente, rumou para as docas. Sentou-se no extremo da pequena embarcação, distante dos demais tripulantes. Olhou sua face refletida nas serenas águas azul-turquesa e notou como estava com semblante taciturno.

De repente, foi tomada por um sentimento não experenciado, a beleza da solitude. Apreciou os respingos do mar sobre suas mãos, a singeleza das aves sobrevoando a imensidão do mar e até esboçou um comedido sorriso ao lembrar da pareidolia promovida pelas lívidas nuvens no acentuado azul do céu. Seu corpo estava leve, sua mente absorta e de seu coração, borbotaram sensações genuínas de paz. A paz que por muito tempo evitou.

O sol beijou sua pele, o vento acariciou suavemente suas mechas loiras e o ruído do motor do barco não lhe pertubava. Os dedos velozes nos teclados, agora, eram suaves e calmos a afagar suas coxas alvas.

Seu âmago estava bonançoso e, finalmente, liberto.

Fixou o olhar na longíqua linha do horizonte e percebeu que, tanto a deslumbrante paisagem, quanto sua alma estavam, enfim, aplanadas.

gostou? comente!

Rolar para cima