Ao sul do tempo

Conheço várias pessoas daqui que não gostam de Porto Alegre. Confesso que também não morro de amores, mais. E conheço mais gente ainda, que detesta o centro de Porto Alegre. Não sou uma destas gentes. Eu gosto de ver aquela montoeira de pessoas apressadas pra lá e pra cá, feito formigas trabalhadeiras. Hoje fui ao Centro e tinha um treinamento de resgate com bombeiros. A população parada, na Borges com a Otávio Rocha, olhando para cima e apreciando aqueles homens-aranhas pendurados pela cintura, de cabeça pra baixo, simulando salvamentos. Também parei, também apreciei. Um deleite.

Vou pouco ao Centro porque moro longe, na Zona Sul. Mas hoje, especialmente hoje, amei esta distância. Peguei um lotação que me traria de volta pra casa e, num percurso que costuma levar uns trinta minutos, viajei alguns anos. Fui parar naquele tempo do Julinho, do Nelson Coelho de Castro cantando no Araújo. Do Unimúsica, Unicena, Unifilme. No tempo em que eu estudava no IE, cantava, perfilada, o hino do colégio, bem faceira (quem lembraria do hino do colégio? Eu lembro). Saudades da Guacira, Adriane, Fernanda, Cláudia e Rosanne. Ah, tempo bom. Briguei com o diretor, pulei janela para passar as urnas da Eleição da Umespa Livre, debati no auditório, disputei o CAIE e fui ao congresso da Ubes, em Belo Horizonte. Tudo isso lá pelos 14 ou 15 anos.

Pela janela do lotação, olhando aquela paisagem antiga, misturada com a nova, lembrei de tanta coisa e de tantas épocas. Lembrei dos shows no Marinha, das tentativas de andar de roller, por lá, aos domingos. Lembrei de amores silenciosos e dos platônicos. Dos shows no Gigantinho, das amizades que carrego por todo este tempo e das que me fazem falta. Revivi minha época de bancária, no Bamerindus, quando, recém casada, morava na André da Rocha e ia a pé para o banco e depois para a faculdade. Me enxerguei depois de formada, trabalhando na Andrade Neves e esperando o ônibus, naquele filão enorme para voltar para a zona sul.

Fui espiando pela janela e me encantando com a Porto Alegre das minhas lembranças. Evitei o novo Beira Rio, o Iberê, o Barra. Foquei só nos cenários da memória. Pensei muito no meu sobrinho, que deixou tantos amigos no lugar em que cresceu para vir morar nesta Porto Alegre que não lhe diz nada. Queria muito que ela ainda pudesse lhe dizer algo. Que ele encontrasse aqui alguma coisa de que possa recordar e levar para sempre.

A viagem foi decrescente, quanto mais me aproximava do fim, mais encontrava meu começo. Eu, que sou tão solar, tão verão, me vi apaixonada pela minha cidade natal num dia feio e chuvoso de outono. Assim, sem mais nem porquê.

2 comentários em “Ao sul do tempo”

  1. Sim, Porto Alegre não é perfeita, nenhuma cidade é… Mas a nossa Porto Alegre é encantadora, eu, depois de muitos anos longe retornei na primavera passada e fiquei maravilhada com os Ipês floridos. É aconchegante reencontrar nosso começo, assim como ler os teus textos Vivi. Grande abraço

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