Andrzej Dudzinski por Soraia Schmidt

Derradeiro momento

Soraia Schmidt

Sempre é chegado o derradeiro momento. É apenas questão de tempo, idade ou sorte. Aquele em que nos deparamos com a fragilidade da nossa vida. Quem já passou pela experiência bem sabe. É assustador. Perdemos a referência no mundo. Fica-se sem chão. É muito maior que tristeza ou medo. É um momento de encontro com a brutal força da natureza. Seres vivos são frágeis, adoecem, morrem. Sentir-se assim à deriva, sem controle, é um golpe à nossa onipotência. Mas, também, nos humaniza.

Estar à mercê de uma doença e entregue aos cuidados (ou descuidos) de outrem, num ambiente que geralmente é frio e impessoal, é muito perturbador. Por isso, deve ser que se chama leito e não cama, o lugar em se fica no aguardo do efeito reparador. Somos chamados de pacientes. Seremos passivos, sofreremos intervenção de outros. Sem autonomia, nos vemos objetos. Entrega nada prazerosa, de esperas intermináveis, angústia e ansiedade. Vemos ir embora a satisfação de pequenos desejos, a liberdade. E, diga-se de passagem, há que se ter muuuita paciência (talvez, também por isso, nos chamam de pacientes, os que devem aguardar com paciência). Por melhor que seja a equipe médica, é devastador. Desarma o que nos sustenta ao longo da vida. O esquecer, o fingir que somos eternos, que teremos saúde para sempre.

Ser mortal é a dor que carregamos nos confins da alma desde o nascimento.

Como vivemos, é o resultado deste fingimento. Sublimação é o nome na psicanálise, quando transformamos uma pulsão inconsciente em outro sentimento mais aceito. Afinal, como conseguiríamos ser felizes se, a todo o momento, lembrássemos que podemos morrer, aqui e agora, amanhã ou depois de amanhã? Alguns negam totalmente, outros transformam em prepotência, hipocondria, depressão e até mesmo em carta de alforria.

E há os artistas, músicos e poetas que se alimentam da sua fluidez e inconsistência e a transformam em algo mais palatável, que nos ajuda a deglutir, assimilar e extravasar a dor da solidão que nossa condição mortal, finita, nos impõe.

E há, também, seres humanos excepcionais, que sabem fazer de sua humanidade a baliza de sua profissão. Se tivermos a sorte de nos depararmos com pessoas desta extirpe, teremos a merecida redenção. Partilharemos os mais profundos sentimentos que, na troca, nos retroalimentam. Transformam-se em amor.

Fazem-nos humanos e imortais, mesmo no final.

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