Andrzej Dudzinski por Rubem Penz

Meu relógio, por favor

Rubem Penz

Um dos motivos de eu achar meio insalubre o trabalho dentro de shopping centers é a desconexão com o tempo. Ou os tempos, melhor dizendo. Primeiro, com as condições climáticas: dentro daquelas enormes caixas não faz sol nem cai chuva (bom, ao menos dentro da normalidade). Também não se passa frio ou calor. As sombras estão ausentes e nem mesmo o olfato nos dá pistas: saem as flores e a terra molhada e entram os aromas planejados de cada loja.

Horas também nos faltam. Falei das sombras? Pois no shopping também nos é suprimido o entardecer, aquele espetáculo de tons que sucedem o dia e precedem a noite. Na praça de alimentação há um eterno almoço, não importa o momento do dia. E, como lá estive durante a madrugada (ajudando na montagem de uma exposição), descobri que madrugada não há. O que existe é falta de movimento de clientes e muito trabalho de manutenção.

Com a internação de meu pai numa UTI, conheci outro ambiente fora do mundo. Esta sala de cuidado intensivo desconhece primaveras, outonos, verões e invernos. Sabe nada de aromas, só faz uma luz, não venta nem silencia. Não há sabiás na madrugada de setembro – só os apitos das máquinas e os rumores das gentes que sofrem e que acodem. E o pior: as horas passam sem passar pelo paciente. Por isso, muito me comoveu o último pedido do pai (que sequer pude atender): filho, traz pra mim o meu relógio, por favor.

Ver o pai partir cedo, aos 70 anos, foi muito triste. Abriu-se uma lacuna, pois era um homem de presença marcante para todos, fossem familiares ou amigos. Porém, consola-me ter ele permanecido pouco tempo na UTI, sofrimento breve. Ele era alguém muito ligado à natureza para suportar o exílio. Talvez também por isso fosse avesso aos shoppings. Onde estiver, sei que ele tem a alma conectada com o universo e os olhos em nossos destinos. Vira e mexe sonho com o pai. E guardo dele o relógio.

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