Andrzej Dudzinski por Regina Lydia

Beija-flor

Regina Lydia Rodrigues Jaeger

O sofrimento humano só é intolerável quando ninguém cuida

Cicely Saunders*

É impressionante como a tecnologia avança em ritmo alucinante em todas as áreas. O que levava séculos, hoje leva segundos. O tempo se esvai a cada clique. Desde que se inventou a roda, as coisas não pararam mais. A capacidade criativa nos tirou das cavernas. Seria impossível enumerarmos tudo o que já foi inventado.

Parece que a maior obsessão do homem é, justamente, superar a si próprio, buscar a imortalidade. Enquanto não a consegue, inventa substitutos, seja através da ciência ou tecnologia. Assim surgiu a robótica, a inteligência artificial, robôs humanoides, as clonagens, os transplantes de órgãos, os avanços na medicina, novos fármacos que tentam curar as doenças e prolongar a vida, terapias alvo, células tronco, ufa. Volta e meia surge um novo vírus para bagunçar tudo e lembrar que não estamos com esta bola toda. Mas disto não aguentamos mais falar, vamos a outro ponto.

O mais importante muitas vezes é esquecido, ou pior, não respeitado: a sensibilidade e as emoções de cada um. Somos únicos, mas somos mais um entre tantos. Somos fortes na saúde e frágeis na doença. Somos humanos. Somos homens, não robôs.

Vivi isso no meu trabalho de doze anos na oncologia pediátrica, onde aprendi muito sobre vida e morte. Não é tarefa fácil levar alegria em meio a um momento triste, de hospitalização por doença grave, mas faz toda a diferença. E fazia parte do meu trabalho. As crianças são sábias e aprendemos muito com elas. Teria vários relatos, daria para escrever um livro. Lembro de um menininho de 4 anos, com câncer de rim avançado, adorava as atividades, se agarrava a elas como querendo se agarrar à vida. Um dia, no meio da brincadeira que ele mais gostava, botou as pequenas mãos na barriga e, com aquela vozinha doce, me disse: – Alguma ‘coija’ está acontecendo comigo. Ele sabia que estava diferente. Foi duro ouvir aquilo, mas, naquele momento o que ele queria era ser único e não apenas mais um, entre tantos. E o fiz sentir-se assim.

Em outra ocasião, trabalhando com uma menina de nove anos, cuja atividade preferida era o desenho, ela me fez um pedido: – Profe, me ensina a desenhar um beija-flor? E ela criou um lindo beija-flor naquela tarde, bem colorido e com as asas abertas. Colocamos no vidro da janela ao lado da cama e ficou translúcido, com a luz por trás. Ela ficou radiante e satisfeita com aquele trabalho. No dia seguinte, cheguei pra trabalhar e soube que ela tinha partido. Nas asas do beija-flor…

*Médica, enfermeira, assistente social, fundadora dos hospices e cuidados paliativos.

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