Andrzej Dudzinski por Marcia Ribeiro

Robotizado

Marcia H de M Ribeiro

Não tinha mais que um metro e vinte na altura dos quinze anos. Quem olhava para aquele corpo franzino e imberbe não imaginava a qualidade de seus propósitos. João Amoroso, um pouco mais velho, tinha perto de um metro e oitenta, guardava cabelo e barba castanho escuro, fartos, e uns olhos miúdos quase grudados no nariz largo. Em geral, se locomovia com cautela por ainda não estar bem acomodado no corpanzil. E, para completar o clichê, tampouco falava com qualquer um tentando emudecer as dissonâncias da voz púbere, que tardavam a deixá-lo, e eram alvo da gozação dos pares.

Estavam juntos em todos os lugares, e também na cela de cinco metros quadrados que dividam com outros três adolescentes. Se ao longe enxergava-se João Amoroso, tinha-se certeza que na sua frente, mesmo não o vendo, estaria Miguel Valente. Eram sombra e luz.

Naquela manhã, na quadra construída no coração da Unidade, o futebol corria solto. Disputas de jogo, encontrões, chutes nas canelas e roubadas violentas de bola entre os jogadores dos times adversários tal qual acontecia nos jogos anteriores.

Os funcionários da segurança, dispostos em grupinhos no entorno da quadra, interrompiam a conversa para advertir forte se um dos guris caía e rolava segurando a perna dobrada sob o abdômen, ao modo Neymar. Falta!, gritava o árbitro de improviso. Com a bola parada embaixo da axila de alguém, era a vez das línguas ficarem soltas e os palavrões rolarem. Não tardava a iniciar o empurra-empurra, e a mão de Miguel espalmada sobre o peito do adversário com a frase de costume: – E aí meu, vai encará? Ele era não só o ala do time, também o pivô daquelas rinhas.

Na hora agá, quando o pau ia mesmo comer, dava um jeito de se abaixar e escapar por entre as pernas de João, que saíra do banco para retomar seu lugar às costas do amigo, e então tomar a frente para bater e apanhar. Miguel virava coadjuvante fora da cena. Tampouco se dava ao trabalho de ficar na plateia para assistir o que ele mesmo havia começado.

A briga terminava com muitas medidas disciplinares aplicadas, dois ou três na enfermaria para os curativos, e João Amoroso na cela do isolamento durante a semana em que Miguel Valente nem para tomar sol aparecia no pátio.

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