Não sobra nada
Ananyr Porto Fajardo
Viajar demora: pensar, desejar, sonhar – decidir!
Bagagem pronta, itinerário (in)definido, bilhete/combustível/carona decididos, dinheiro contado.
Planejar, ir e voltar. Entre uma etapa e outra, aventuras, surpresas, decepções, encontros, resoluções.
Fronteiras trancadas, pontes caídas, túneis fechados. Desvios inusitados, atrasos preocupantes, noites insones, mas também novas experiências e uma coragem até então desconhecida.
Acidentes de corpo – quedas ridículas, bolhas bobas, problemas inomináveis – e de alma – amores fugazes, selfies irrepetíveis, saudade cruel.
Objetos perdidos sem chance de recuperação e achados que pertencem a alguém sem nome e sem tempo.
Carimbos ignorados, explicações sem fim em uma língua surda atrás de um guichê, um jeitinho oculto.
Milhões em moedas que não compram nada, senha do cartão esquecida e, com sorte, máquina em conexão.
Comida suspeita, sabores incomparáveis, paladar afinado.
Camas que mais parecem com um colo do que um leito, cobertas com cheiro de bicho em quartos com frestas indiscretas, porém bem-vindas.
Crianças curiosas, jovens alegres e adultos desconfiados, mas prontamente amáveis em caso de necessidade.
Ônibus em ribanceira, avião que despenca nas nuvens, carona em caminhão de galinhas.
Malas perdidas, souvenires roubados, livros relidos.
Zarpar, decolar, partir, singrar, voar, cruzar – chegar.
No fim, não sobra nada, a não ser lembranças infinitas e uma vontade de voltar, mas para outras paragens.