Águas de setembro

Ela acordou com o som estridente do celular. Atendeu assustada. Àquela hora certamente não seria uma boa notícia.

Isaura, a cuidadora de seus pais, dizia entre soluços, que a casa estava alagada e estavam indo para o ginásio da cidade, até as águas baixarem.

– Que águas? Choveu tanto assim?

– Foi o rio que subiu.

– O rio fica muito longe da casa deles. Como isso foi acontecer?

– Não sei, dona Elisabeth. A cidade toda tá debaixo d’água.

– Papai e mamãe estão bem?

– Todos bem. Mas achava bom a senhora vir até aqui.

Não dormiu mais. Assim que amanheceu rumou para a sua cidade natal.

À medida que se aproximava, já pressentia o que veria. Pela estrada, árvores e postes caídos. As lavouras afogadas numa água barrenta. Ainda chovia o que tornava tudo mais triste e preocupante.

Quando chegou, ficou estarrecida. Pessoas perambulando, atordoadas, sem rumo. Poucas casas restaram de pé. O que tinha acontecido? Que tristeza, ela pensava.

A cidade fora praticamente destruída. O único banco não existia mais. O hospital felizmente resistiu. Ele, assim como algumas poucas casas, ficavam no alto de uma colina e não tinham sido atingidos. Mas, da prefeitura, só o prédio restou de pé. Tudo perdido. O comércio local feito de poucas lojas também não existia mais. A praça central, onde tantas vezes brincou quando criança, agora estava submersa naquele lodo. Só se via a estátua do padroeiro da cidade e algumas árvores mais altas.

Todos os anos haviam alagamentos, mas nada nestas proporções.

É a natureza cobrando sua conta, pensava.

Encontrou seus pais no ginásio da cidade só com a roupa do corpo. A casa deles, felizmente, resistiu àquela enxurrada. Mas todo o seu interior estava perdido. Tudo envolto num barro gosmento. Certamente eles teriam que ir para casa dela, na capital, até que tudo fosse limpo e novos móveis fossem comprados.

– Negativo. Não saio daqui, minha filha. O Osvaldo e a Jurema já disseram que podemos ficar com eles até ajeitarmos tudo. A casa deles fica lá no alto, tu sabe bem.

– Pai, isso vai levar meses. Vocês terão que comprar todos os móveis e eletrodomésticos. Como vão ficar tanto tempo na casa dos amigos?

– Ficaremos. Já está resolvido.

Ela decidiu que iriam para um hotel, pois, não havia necessidade que eles ficassem naquele ginásio. Na manhã seguinte, se a rua estivesse transitável, voltariam na casa para ver o estado das coisas e o que poderia ser feito.

E assim, ela ficou por 15 dias hospedada junto com seus pais, no único hotel da cidade. Dias de muita tristeza e muito trabalho braçal. Iam até a casa deles e se ocupavam com a limpeza de tudo. Nada pode ser aproveitado. No caminho encontravam os vizinhos, pessoas sofridas, tentanto apoiar umas às outras.

O mais triste na tarefa de limpeza da casa, era constatar que objetos pessoais, documentos e fotografias estavam todos envoltos naquele barro. Nada restou. Nenhuma foto para lembrar os bons momentos vividos.

E as noites naquele quarto de hotel não foram nada agradáveis. Teve muitos sonhos esquisitos que se repetiam. Em todos, ela navegava num pequeno barco, num rio lamacento, sem rumo. Acordava angustiada. Mas pensava: o importante era que seus pais estavam bem, com saúde e iriam superar.

Até a próxima enxurrada.

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