Tom Saldanha em foto de Lia Zanini

A telha que falta

Tom Saldanha

Do barro veio o homem. É assim que o Gênesis define nosso surgimento. Em seguida, com um sopro nas narinas, Deus deu-lhe a vida. E consta ter Ele feito o que fez à sua imagem e semelhança. Será, mesmo?

Bem que o Criador poderia ter escolhido um material melhorzinho: granito e mármore sempre deram garantia de melhores resultados a obras de artífices bem menos capazes. Sendo trabalho de um deus, não haveria matéria-prima cuja dureza atrapalhasse seu intento. Até mesmo a pedra-sabão que, muito depois, Aleijadinho mostrou a que se poderia prestar, seria mais adequada a tão nobre propósito.

Entretanto, foi ao barro que recorreu o Criador. E talvez tenha sido esta uma escolha determinante no nosso destino.

Embora durante o ato da criação esta não deva ter sido uma preocupação presente, existe um limite para que o barro seja transformado naquilo que queremos; não há artista capaz de dar-lhe a forma desejada depois de certo estágio de endurecimento. Parece que esta percepção ainda não foi muito bem assimilada.

Nem sempre damos a devida importância à manutenção da flexibilidade que nos salvaria em circunstâncias que exigem adaptações muitas vezes severas. E, depois que nossas estruturas enrijecem, tentar devolver-lhes a maleabilidade perdida pode provocar rupturas sem conserto ou, no mínimo, rachaduras de sérias consequências.

Melhor prevenir com catalisadores como afeto, respeito, amor e compreensão. Estes podem funcionar em nós como a umidade que assegura ao barro a condição de moldar-se de infinitas formas. No tempo certo, teríamos como garantir a indispensável adaptação.

Perdida a chance, não existe aguaceiro que devolva a um tijolo a capacidade de transformar-se em telha, se for esta a peça que falta em nossa construção..

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