Eu devia ter uns 15 anos e lembro bem daquele domingo. Várias famílias, com filhos e filhas de idades variadas, encontrariam-se para o almoço em um sítio, quilômetros afastado da cidade onde todos moravam. Fomos dos primeiros a chegar e minha expectativa era de que logo o lugar ficasse repleto com os demais convidados. Não demorou, vi um dos amigos do meu pai estacionando e saindo do carro, sozinho. Eu tinha uma admiração especial pelas filhas dele, universitárias, e foi uma decepção imaginar que haviam desistido da festa. Mas não era nada disso. Quando começou a chover, ele explicou, as meninas convenceram a mãe a fazer, junto com elas, o resto do trajeto a pé. Uma meia hora depois, avistei as três empurrando o portão, empilhadas embaixo de um único guarda-chuva. Felizes da vida.
Desde a infância, quando a permissão para o banho de chuva era o ponto alto do verão, não me lembrava de ter visto alguém aproveitando os “dias feios” como um momento a ser celebrado. Continuar se maravilhando como criança, deduzi naquele dia, é uma opção.
Maravilhar-se, vamos deixar bem claro, não significa achar que tudo está bem ou perfeito. A vida de nenhuma pessoa é assim o tempo todo, ao contrário, existir é uma interminável prova de obstáculos impostos à nossa revelia. Porém, a maneira de superá-los, isso sim, depende de uma decisão pessoal. Diante da chuva, dá para acreditar que vai estragar o almoço ou aproveitá-la para caminhar na estrada, deliciando-se com o cheiro da mata e da terra molhadas.
Seguindo esta lógica, inspirada naquelas mulheres, de cujos semblantes nunca esquecerei, muito já passeei pelo centro histórico nos domingos de chuva. Nos momentos mais difíceis, quando parecia não haver saída, a Casa de Cultura, refletida na rua transformada em espelho, parecia sussurrar os versos do Mario Quintana:
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo—
para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.