Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira, diz Italo Calvino, e meu sentimento é esse quando visito a Casa de Cultura Mario Quintana. Só agora me dou conta de que a vi sem pintura ao final de 1988. Uma amiga que morava no prédio da frente me disse ao telefone que eu não estava entre os aprovados da UFRGS. Ainda assim, saí do interior para um cursinho intensivo em Porto Alegre, pois também prestaria vestibular em Pelotas. Fui visitá-la e, enquanto ela apontava com orgulho a reforma do Majestic, me entregou o jornal. Meu nome constava na lista, sim. Ela havia se enganado. Por pouco não deixei de cursar Letras em Porto Alegre, e minha vida seria bem diferente se não tivesse o jornal nas mãos naquele dia, na rua dos Andradas.
Inaugurada a Casa de Cultura, visitei seus cinemas, teatros, galerias, café, e tal qual os moradores e frequentadores da cidade, tenho muitas histórias ali passadas. No entanto, Calvino ainda me conduz: Se os livros permaneceram os mesmos, (…) nós com certeza mudamos, e o encontro é um acontecimento totalmente novo. Assim é que depois de lançar meu primeiro romance na Feira do Livro de Porto Alegre, caminhei sem pensar até a Casa de Cultura. A capa era muito parecida com seu tom de rosa, oficializado pelas tintas Renner com o nome de CCMQ. Fiz uma foto e, naquele contexto, o rosa do livro simbolizou apenas Cultura. E os paralelepípedos onde equilibrei as sandálias significaram História – da Casa, do livro, a minha e a de todos que por ali passam.
Recentemente, voltei ao local e, como uma verdade que se esqueceu de acontecer, me pareceu ter sido a primeira vez que fui até o Quarto do Poeta. E que eu estava preparada para enxergar nos objetos a mística de um escritor: livros empilhados, um quadro de Chaplin, papel e caneta espalhados pela cama. Pensei nas verdades que dão origem às narrativas e que se tornam tão diferentes quando escritas. Daquilo que se expressa e do que fica oculto. Da necessidade de isolamento para fazer Literatura. Absorvendo a simplicidade e a vivacidade do cômodo, revisitei minha frase de adolescência, escrita por Quintana, que não me furto de citar o final – Uma vida não basta ser vivida: também precisa ser sonhada. Relembrei, ainda, os objetos de escritório de Saramago, que conhecera há pouco, e o bar lisboeta frequentado por Pessoa na Praça do Comércio. Recordei o conselho de Garcia Márquez de que se deve escrever de dia e sair para conversar com os amigos à noite.
Lembrei que começo a colecionar meus próprios objetos de escritório, e da Trattoria em que lancei meu primeiro livro, e provavelmente lançarei o segundo, porque um escritor é fiel às obsessões. E lá meus amigos proprietários sabem que sou alérgica a pimentão, e eu me sento no mesmo lugar, chamo o garçom de Brian e ele me chama de Cris.