Todo ano a mesma coisa: mal começa novembro e irrompem mudanças nas vitrines das lojas, nos shoppings, nas cidades. E até mesmo, dentro da gente. Aparecem as cores de Natal, luzes, promoções. Já na Black Friday, há quem pense em aproveitar os preços reduzidos (será?) para atender a lista de presentes, amigo secreto, ingredientes para a ceia natalina. Surge a ansiedade costumeira sobre amigos e familiares que virão para as comemorações e aqueles que, mais uma vez, estarão ausentes. Para os afeitos e menos afoitos à data, a preferência é pela solidão. Para esses é mísero dia, sem importância, sem glamour, sem (re)encontros.
Todo ano a mesma coisa. Urgência de resolver questões pendentes, decisões proteladas, compromissos assumidos, mas não implementados, até agora no apagar dos doze meses. Então, é preciso correr. Mais ainda. A casa é limpa com mais atenção e capricho; reforma e pintura também podem estar na lista. Monta-se a árvore no canto da sala, decorações em verde e vermelho se espalham em todos os cômodos, desde almofadas até arranjos com velas. Tudo alheio ao fato de que no barraco na periferia esse espírito natalino não desperta. Lá, todo dia o mesmo dia: escassez e (des)esperança.
Todo ano, a velha novidade: os filmes natalinos! Nessa época são a sensação nas plataformas de streaming. Mocinha busca reencontrar o homem dos sonhos. Jovem viúva faz boneco de neve ganhar vida para redescobrir o romance, a alegria do Natal. Advogada tenta salvar cinema histórico a tempo para o Natal. Será que só as mulheres estão carentes nessa época ou é mais um estereótipo? Nos títulos das películas, o vocábulo “Natal” está presente: sintonia de, inspiração de, um espetáculo de, o melhor…de todos, e assim por diante. Canções natalinas, romance, Papai Noel, paisagens fantásticas, neve…Aqui, nos trópicos, todos sabem que não temos acesso a um Natal coberto de neve, embora Gramado tente, mas é pura fantasia, como esses filmes.
Confesso que a neve para mim, até julho do corrente ano, não passava de imagem cinematográfica. Nas férias de inverno, no Chile, realizei o desejo de tocá-la, de brincar como criança, deslizando no gelo, sem medo ou vergonha. Tive o privilégio de ver os flocos brancos caindo sobre a montanha e me senti dentro de um filme. Vi, também, que a Cordilheira mostra mais rocha do que neve, o que denota o aquecimento global e os riscos a que estamos sujeitos.
— Isso lá é época de lembrar dos perigos ambientais? É quase Natal — dirá você.
Todo ano a mesma coisa: respira-se o clima natalino, prepara-se o encerramento de mais um exercício, que por vezes teve orçamento mais curto que nossos sonhos. É quase Natal, ainda em novembro. E a gente esquece as agruras dos dias vividos, o corre sem freio e medidas. O Ano já suspira resignado, encaminhando-se para seu desfecho. E suspiramos também, indignados e sem querer fazer o checklist de janeiro passado. Renova-se a incompletude.
Todo ano a mesma coisa: surge a vontade de (re)escrever sobre o Natal. A criança que habita em mim espera ansiosamente essa temporada: doces, chocolates, abraços, férias, abrir presentes, estar perto das pessoas que nos são especiais – nossos afetos. Que tal esse ano fazer diferente? Uma boa ação, um donativo, uma visita aos lares de crianças e de idosos? Tudo anônimo, sem publicizar nas redes sociais. A solidariedade é anônima e dá sentido a nossa existência humana. Fica o desafio.
— Mas, e a mulher, postada ao pé daquela escada de concreto e arte indescritível, que vemos dessa janela do cotidiano?
—Pelo sorriso, ternura no gesto e no olhar, a mulher desconhecida deve estar esperando alguém que está descendo os degraus. Alguém que não consigo visualizar. Ela, ao que se nota, espera com entusiasmo indisfarçável. Talvez, seja o filho, retornando da Universidade, a pausa para as comemorações familiares. Talvez um grande amor do passado. Talvez o amigo querido, depois de longa ausência.
— Talvez o milagre de Natal.
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