Basta um instante
Luca Boaz
Primeiro de janeiro de 2020. Esperança. Num instante, por uma partícula celular invisível, foi soterrada.
Até hoje. Ainda, incerto.
É como a curva na estrada. De repente, o asfalto se torna gelo escorregadio e o carro desliza, sem controle. Direita, esquerda, oblíquo, direita. E adere na estrada que segue sem fim.
Haverá um fim.
Traço e defino o meu destino. Chave na ignição, primeira marcha, segunda e sigo. Declive e, logo ali, um buraco. Dificuldade a superar. Reduzo a velocidade, olho pelo retrovisor, nenhum carro. E, à frente, a pista oposta está livre. Me permito cruzar a linha pontilhada no meio da estrada. Manobra rápida, eficiente e daí retorno ao caminho. Pequeno desvio para alcançar o equilíbrio.
Obstáculos são transpostos.
Acelero para recuperar os minutos perdidos. Sinto assim. É falso. Aprendi a ultrapassar. Aumento a velocidade já que a estrada à frente está livre. Nenhum bloqueio, tudo flui. Suavizo a atenção porque o espaço e o tempo estão flutuando, como a mudança de ritmo diante da partícula invisível celular.
É o que posso praticar. E assim, logo ali ou mais adiante, numa curva, numa reta, no outono ou no inverno, quando tiver de ser, meu destino.
Recordo que o tempo é relativo dependendo da idade. Naquela estrada, dirigindo o meu destino, um minuto não foi eternidade. Dos 7 aos 14 anos, passava férias na Fazenda do Tio José e da Tia Dila, em Cachoeira do Sul, 189 km de Porto Alegre. Duas horas e meia de estrada era exaustão. A cada minuto, eu perguntava pro papo, meu pai, quanto faltava. A resposta, sempre, era que pouco. Eu só sentia a demora mal contida naqueles segundos entre a pergunta e a resposta. Era assim.
Hoje, em 2020, já se foram oito meses e eu respiro, como vários e muitos e quase todos, com alívio.
Esperança, sob outra forma.