Altar de oito lados
Rubem Penz
– Então, Padre Adelar…
– Miudinho, por favor. Me chame de Padre Miudinho.
– Sim, claro. Padre Miudinho, pode dizer aos ouvintes como o senhor consegue conciliar os ofícios de pároco com suas lutas de MMA?
– Não é difícil. Continuo rezando duas missas ao dia, uma pela manhã cedinho no Seminário das Dores, outra às 18h na Capela de São Jorge. Bom, menos quando estou competindo em viagem.
– E o senhor consegue treinar? Sobra tempo para as preces?
– Tempo até demais! Os ouvintes já fizeram a conta de quantos terços cabem em horas ao pular corda, fazer abdominais, socar o saco de areia?
– Aproveitando essa questão dos socos, Padre, a agressividade não é contraditória?
– Nem tanto. Penso na malhação de Judas e mando lenha.
– E com o sparring, não rola uma culpa?
– Ao contrário. Aproveito os treinos de chaveamento para arrancar confissões e a trocação para aplicar penitências.
– Funciona?
– O Altivo é testemunha.
– Mas, vamos lá: violência não é pecado?
– Nosso corpo é o espaço do sagrado. Nada do que dele emana pode ser considerado pecado.
– Mas aí a gente pode imaginar que…
– Não se pode imaginar NADA, tá bom? Vai com calma. MMA não é lugar de imaginar coisas. É fé nos punhos e Deus nos acuda.
– Ãhh… Bom, precisamos ir para os comerciais. Agradeço a presença do Padre Miudinho em nossos estúdios. Uma palavra final?
– Hoje de noite, todos os fiéis lá no octógono para salvar a alma do Brutamontes Graciliano. Do corpo dele, cuido eu.