Genuflexório
Rubem Penz
Foram longos anos de missas diárias desde a tenra infância. Primeiro, acompanhando a avó. A lamentar que ela, Deus tenha piedade, não viveu muito tempo neste vale de lágrimas. Depois, de braços dados com a mãe – longeva, com a graça de Deus e com as bênçãos da pensão do pai militar. Começou com algum prazer, evoluiu para a tolerância, mas, alcançada a idade adulta, tornou-se um trauma. De tal sorte que, ao ouvir “rezemos”, ato reflexo ficava de joelhos. O que viria a lhe causar alguns embaraços.
Como na vez em que, defendendo a meta do seu time diante do derradeiro pênalti a decidir o campeonato, escutou o repórter setorista falar ao microfone da rádio: rezemos! E a bola mal chutada, no meio e fraca, fácil, cruzou pateticamente sobre um goleiro ajoelhado em ato reflexo. Teve que correr muito para não ser linchado.
Outra situação foi ainda pior. Visitavam a trabalho uma fazenda criadora de carneiros e um jovem macho pulou o cercado, aproximando-se do grupo. Olhou fixamente para os estranhos, assim, de forma ameaçadora. Uma senhora mais devota ficou muito receosa e suspirou: rezemos. Ato reflexo, ajoelhou, algo que foi considerado pelo carneiro como nítida provocação. Ao menos é isso o que foi comentado no pronto-socorro.
Porém, de todas as maçadas impostas por seu ato reflexo, a mais trágica aconteceu diante da porta do próprio banheiro, em sua própria casa. Chegava das compras e saíra da garagem encarregado de descer as sacolas. A mulher, do andar de cima, chamou-o para reclamar do que parecia ser a empregada tomando banho na Jacuzzi. Ele subiu. Ambos escutavam o barulho da água. Então, ele disse que podia ser engano, e jamais acusaria sem ver. Ela: rezemos.
A primeira pessoa que o visitou na UTI foi um advogado, para tratar do divórcio.