Lua do Mal
Rubem Penz
Desde nova, disseram, Lua do Mal vicejou crescente. Mas a lembrança mais firme nestes meus esquecimentos é a da vez em que a vi assim, diante, coisa de cinco metros. Final de outono quando o silêncio fazia companhia aos peões lá no galpão, entre a mangueira e o estábulo. Silêncio de palheiro. Silêncio de braços livres da lida e de troncos a fazer sombra no chão de terra marcada por nossos tropeços. Tantos.
De onde eu estava a lua quase ofuscava a visão, tão clara e livre. O vento nenhum fazia até as árvores serenarem em sono sadio, sono de ninho ou de berço. De paz. De medo. E eu? Eu permanecia em vigília. Tinha a certeza quase divina de que ela viria de leste, lá das bandas da margem do rio. Fora numa noite parecida, porque ninguém acreditaria se eu dissesse igual, que o pai a viu pela única vez. Ele era minucioso contando as histórias. E essa, a dela, era das minhas preferidas.
Tarde, não sei se antes ou depois dos ponteiros fincarem o céu em par, perto com certeza, o primeiro agito alvoroçou as ovelhas. Pode parecer estranho, mas os cavalos também deram notícias de terem despertado no momento igual. E arrepiou meus cabelos na nuca. Da varanda, vi primeiro aqueles dois olhos acesos que se aproximavam quase sem se mexer, fazendo uma onda – e vinham reto. No galinheiro, já tinha reboliço. Fiquei só de moita.
Quando a onça surgiu inteira, saindo do meio do matagal pra onde a vista permitia mais do que se especula, parou e olhou na minha direção. Ninguém mais precisaria dizer que sim ou não, ela existia mesmo e era albina. Brilhava de tão branca, feito fantasma, assombração, coisa dos infernos.
Fosse hoje, batia uma foto. Naquele tempo, nem pensar. E, de toda sorte, já precisaria estar engatilhado na intenção, pois foi nem um suspiro e a cachorrada se botou na bicha, que fugiu de volta.
Mentira nada, que o velho não era de contar lorota. Menos eu.