De tudo o que uma cidade pode fazer de mal às águas que a banham, o desprezo talvez seja o pior – depois dele, o que de bom poderia acontecer? E, por alguma razão, Porto Alegre andou um longo tempo de costas para o Guaíba. Pessoalmente, lamento ter passado grande parte dos meus anos vivendo esse período. Ainda bem que também convivo, de instantes para cá, com iniciativas de reconciliação.
Meu pai, por exemplo, tomava banho no rio. Nasci e vivi até meus dez anos na mesma casa de sua infância, na Av. São Pedro, distante menos de um quilômetro da margem. Ali, há algumas docas privadas ainda ativas. Porém, no meu tempo, a poluição já tinha deixado o mergulho desaconselhável. Mais tarde, na juventude, uma rápida passagem pelo GPA (Clube de Regatas Guaíba Porto Alegre), devido ao convênio com a UFRGS, fez com que visitasse aquele corredor de águas, remando um canoe – e as duas gerações se tocaram. Devo dizer que pude comprovar de perto o estrago feito.
Limpar nossas águas será, por baixo, tão demorado quanto o tempo que levou para poluir. E não basta atuar localmente: as ações precisam abranger o Jacuí, o Sinos, o Caí, o Gravataí e os diversos arroios – dentre eles o Dilúvio. O interessante é a diferença que a troca de olhar pode influenciar neste processo. De costas, os malfeitos poderiam seguir acontecendo sem reação. De outra forma, ao oferecermos nosso olhar (e nosso respirar) para o Guaíba, veremos não apenas suas belezas – estaremos diante de suas mazelas. Assim, fazer as soluções tomarem o contrafluxo da correnteza.
Tenho pouca esperança de usufruir do Guaíba com a mesma intimidade experimentada por meu pai. Se minha geração trabalhar com afinco, meus filhos, ainda que na maturidade, alcançarão esse intento. Agora, se transmitirmos para eles um amor reconciliado, aos netos, com certeza, deixaremos as águas limpas, as margens acolhedoras, um novo-antigo tempo. E este período relativamente curto de litígio com a natureza será desprezível nos próximos 250 anos.
Minha queixa: as consequências do desprezo, tinham que ser logo comigo?!