Para uns ele é apenas o registro de um tempo ultrapassado. Que roupa é essa? Meu deus como eu usava esse corte de cabelo?
Nesse casos, resgata a lembrança de algo que não nos representa mais ou envergonha. Função de hiato.
Para outros, um certificado de fracasso no agora. Eu era bem mais magra. Amor, você nem tinha essa barriga de chope. Ah, eu era feliz e não sabia. Função de lamento.
Há os que se apegam aos retratos como quem segura um fio de sobrevivência diante do abismo. Aqui se encontram os pais que perderam seus filhos, os amores ceifados pelas tragédias da vida, os filhos órfãos de colo. Função de bálsamo.
A fotografia não serve apenas como registro de um tempo esgotado. Muitas vezes, ela é a eternidade. Sua existência é abrangente ao ponto de permitir o exercício de funções opostas com igual maestria.
Em alguns momentos, ela abarca tudo o que se quer esquecer. Vira picadinho, recortes entrelaçados de amor e ódio. Prova irrefutável de uma decepção. Função abortiva.
Em outros, é guinada, mudança, comemoração e conquistas, tais como as fotos de formatura, aniversário, novo lar, nascimentos dos filhos, viagens.
Não bastasse isso, novas possibilidades têm se apresentado. Hoje em dia, as fotos também são usadas como instrumento de competição, ostentação e, acima de tudo, ilusão. Se oferecem mais ao instante do que ao passado. Seu valor reside no poder de capturar no futuro, a inveja de quem as vê. Não causa encanto seu poder inequívoco de apreensão do passageiro tempo. Tanto assim que o registro em pixel pode se antecipar à própria retina do fotógrafo. Quantas vezes usamos a lente sem sequer ter prestado atenção ou admirado com os próprios olhos? Função de venda.
O retrato também pode se mostrar o avesso maquiado da realidade. Como exemplo, cito as fotos sorridentes tiradas um pouco antes de um suicídio. Ou, numa escala bem mais leve e cotidiana, a dos casais apaixonados com suas legendas românticas a esconder traições, agressões e ofensas imperdoáveis. Esse choque de absurdo talvez seja a delação de uma verdade velada: invejamos o outro e vivemos na busca incessante de sermos invejados.
E a foto 3×4? Essa para mim é a moldura da vida real. Sem perfeições ou belezas inabaláveis. Fantástica na sua função de reboco.
Gostando ou não, é sempre ela que assume a nossa identidade para o mundo.