Na roda do oleiro
Jane Maria Ulbrich
Alfredo trabalhara até tarde. Tomara rápido banho na gelada água do cano da ponta do galpão. Entrou e atirou-se no tosco sofá da cozinha. Matilde dormia. Três horas após, levantou, pegou o farnel deixado sobre a mesa e saiu. O ônibus não tardou a chegar. Acomodou-se e dormiu até ser avisado pelo motorista que chegara. Desceu e com passos ligeiros foi para a fila da Penitenciária. Iniciaram a identificação. Revista pessoal e da comida. Liberado, logo encontraria Dante, seu neto. Violento, agressivo, por herança sua e de Chico, pai de Dante.
Abraçara-o. Dante, sempre revoltado porque o avô não trazia uma arma para que pudesse escapar, nada dizia ao avô. Fitava o vazio com olhar cada dia mais distante. Alfredo não cairia no mesmo erro. Necessitava cuidar de Matilde. Há muitos anos, após tanta súplica do filho, ela cedeu. E assim, em um domingo, viu o filho tentar a fuga, garroteando um dos guardas, ameaçando-o com a arma. Ao sair foi atingindo por muitos tiros, matou o guarda e morreu. Matilde apanhou, foi presa e cumpriu dez anos. A tristeza por se considerar responsável pela morte do filho a emudeceu e, agora, sequer era autorizada a visitar o neto. Alfredo cuidara de Dante durante a prisão de Matilde. Percebia os acessos de fúria semelhantes aos que ele mesmo enfrentara, assim como seu filho. É coisa do sangue pensava. Sangue ruim.
Na frente do silencioso Dante, lembrava que Matilde, jovem de pequena estatura e cativante, o salvara. Neta de escravos e filha de pais analfabetos, com sua doçura, domara seu mau gênio. Dizia que as mãos dele, compridas e finas, eram especiais para trabalhar o barro. Ensinou-lhe a técnica que havia aprendido com seu avô, e viviam deste ofício. Ficava ao seu lado sempre que o percebia angustiado, uma boa hora para amassar o barro. Assim ficavam até que lhe retornasse o controle emocional. Ensinara-o a fazer bonitos detalhes nestes momentos.
A lembrança de um dia tê-la agredido o deixava com profundo pesar. Após a bofetada jurou jamais voltar a agredir alguém e cumpriu. Mas a cicatriz manteve-se entre os dois.
Encerrado o horário de visitas, levantou-se, deu outro beijo no neto e disse-lhe uma vez mais _assim que saíres daqui te ensinarei tudo sobre meu ofício. Uma vez mais, nada escutou.