Cantar assim, livremente, pelas ruas e recantos de Porto Alegre, que coisa tão boa! As bocas e os olhos transmitindo a alegria de compartilhar as emoções que a música nos oferece; e o público, de perto ou de longe, tendo um momento de alegria inesperada, em meio à agitação da vida da capital.
Já cantei assim, em grupo, nos bares, nas ruas, nas praças, quando saíamos de ensaios ou de recitais, pelo simples prazer de extravasar, de libertar o contentamento, de fazer algo que tornasse mais leve o dia de quem nos ouvisse. Até nos bondes que havia na cidade, lá na década de 1970, nós cantávamos e recebíamos aplausos e manifestações de carinho. São lembranças doces; talvez ainda sobrevivam na memória de alguns passageiros?
Também realizei o sonho de cantar na igreja, no casamento de uma jovem amiga. Ao contrário do matrimônio, que durou muito pouco (não por maus augúrios da música, mas por já se mostrar improvável desde o início), a recordação das vozes inundando o espaço com o som melodioso tornou-se marcante na lembrança.
Hoje, me deleito com o bulício das ruas da cidade: falares esparsos, máquinas em funcionamento, buzinas, risos, um ranger de balanço na praça, um choro furtivo de criança, a chuva que se derrama em gotas ruidosas sobre o asfalto. Em oposição, me enleva também o silêncio audível do campo, no pequeno sítio solitário em meio ao arvoredo, as noites cortadas por gorjeios fugidios de pássaros insones, o canto do galo anunciando a aurora que carrega com ela os sons familiares de fogo crepitando, gado mugindo, cães a latir.
A música foi e continua sendo uma companheira fiel em tantos instantes de minha vida, alguns especiais, outros rotineiros. E espero que siga fazendo parte de meus dias até o derradeiro minuto, quando será sucedida por sua inevitável ausência, o silêncio.