Pedro desperta com o amanhecer, na cama apertada onde dormem ele, Marisa e duas crianças. Mexe-se com cuidado para não acordar ninguém. Veste a roupa surrada e os sapatos rotos. Meio dormindo ainda, ferve água e côa o resto do pó de café que está na lata. Faz uma marmita com a sobra da comida de ontem, para o seu almoço. As crianças comem na creche comunitária e a mulher trabalha hoje de faxineira numa casa de família.
Desce a ladeira e vira para olhar. O barraco, que eles chamam “casa”, está como diz a música popular: “pendurado no morro”. Todo o dia ele reza para não chover.
Caminha rápido para o serviço; não pode se atrasar, mas o solado não colabora. Teve sorte, encontrou o calçado num depósito onde passa o dia empilhando caixotes. Ao meio-dia, já meio tonto, come o que trouxe. Continua com fome. O patrão é um homem bom e ele se esforça para continuar trabalhando lá. Emprego está escasso; precisa muito deste, pois tem família pra sustentar e tem pouco estudo. Mal assina o nome. Se Deus ajudar, hoje recebe a semana. Precisa comprar comida.
Marisa também se esforça no serviço. Trabalha em duas casas. Procura por mais, mas não acha. Faz uns biscates quando encontra. Sua sorte é que as crianças estão na creche. Foi preciso ficar uma noite na fila, em pé, frente à Prefeitura.
À tardinha, ela as busca. Já vêem jantadas; tomam banho e esperam o pai prontas para dormir.
Ao sair do serviço, à caminho de casa, Pedro olha as vitrines distraidamente quando alguma coisa o faz parar. É numa casa de exposições de fotos premiadas. Ele olha a vitrine desta vez, com atenção: primeiro para a foto em destaque, depois para seus pés. Olha de novo. Parece estar frente a um espelho. Começa a rir como um louco, não consegue parar. Ri tanto que a risada vira soluço. Sente vontade de chorar. Não é que os sapatos da foto premiada são iguais aos dos seus pés?