Possibilidades

Ao ver a cena etérea daquela mulher atravessando a rua de sombrinha, debaixo da chuva forte com um vestido esvoaçante e de sandálias, fiquei pensando: ela não se preparou direito para sair num tempo daquele – então comecei a imaginar qual seria a situação dela.

Estaria fugindo, por isso saiu as pressas sem tempo de colocar uma roupa adequada e um sapato quentinho?

Voltava do trabalho e ao sair de casa não imaginou que iria chover? Era um dia quente de verão, tinha programado de ir ao cinema com o marido, teve que comprar uma sombrinha de um ambulante, logo que a chuva começou?

Sofreu uma desilusão amorosa e estava andando sem rumo, sem nem perceber que estava se molhando toda, quando de repente vê seu desafeto conversando tranquilo perto do banco com a amante sem se preocupar em ser visto?

Minha mente continua vagueando em possibilidades. Sua filha fugiu de casa com o namorado e ela saiu desesperada procurando e são eles que estão próximos ao banco conversando desapercebidos da vida?

Ela é parteira e foi chamada as pressas porque tem um bebê prestes a nascer bem perto dali seu carro estragou e ela saiu correndo do jeito que estava só levando o que iria precisar na sua bolsa?

Está voltando de uma festa e já é de madrugada, resolveu voltar andando porque bebeu muito e não quer chegar alterada em casa? Mora numa cidade pequena onde todos se conhecem e não tem perigo andar sozinha? Sempre leva uma sombrinha na bolsa porque lá a chuva vem dia sim dia não?

Só gosta de vestidos e não calça sapatos? Se deu o direito de só usar sandálias há muito tempo, porque é assim que se sente bem?

Uma cena, milhares de possibilidades. Nunca vou saber qual é a história daquela mulher. Ela foi flagrada num instante, por um olhar que a eternizou. Mesmo que de forma fugaz, passando numa via, ela ficou presa na retina, com seu vestido leve e ondulante e seus pés desnudos.


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