Existências

É uma uma cena comum. Chove na cidade. Em um primeiro plano temos uma senhora andando com seu guarda-chuva e ao fundo um casal conversando, também sob um guarda-chuvas maior. Estamos numa pequena cidade do interior, chamada Primavera. Estão numa via calçada com paralelepípedos, que se chama Rua da Praia. Mas lá não tem praia. Não faço ideia da razão deste nome. É uma rua antiga da cidade. Ficou até um grande bloco de granito sobre o calçamento. A cidade cresceu um pouco ao seu redor. Mas ela permaneceu sem mudanças com um comércio básico.

Nesta cena bucólica temos três pessoas que carregam cada um nas suas vidas, situações muito particulares. Assim mesmo, cada existência comporta suas peculiaridades. O tempo nublado traz um viés trágico ao cenário que a abriga. E a rua antiga simboliza um quadro, onde uma pequena cidade representou as poucas oportunidades que experimentaram. Muitos foram embora, em busca de opções, e elas ficaram. Cada um com seus motivos.

A senhora se chama dona Hortênsia. Está aposentada na prefeitura. Cuidou de dois filhos que se mudaram. O marido a largou um ano depois do nascimento do segundo filho. Ficou sozinha. Tem umas primas por lá. Mas cada uma na sua própria vidinha. Sai todo dia para passear, e ver o comércio que nunca tem novidades. Mesmo assim, veste um vestido claro, e se maquia para não afundar na monotonia da casa solitária. Às vezes encontra alguém conhecido e conversa uma pouco. Experimenta trazer algo de novo. Mas além da notícia de alguém que morreu, acontece pouca coisa. Construiu um projeto existencial onde a vida é uma rotina, e trata de vivê-la da melhor forma possível.

No segundo plano temos Andrea conversando com Fernando. Ela é sempre tomada de ansiedade por não encontrar espaços afetivos em torno dos quais pode realizar seus desejos. Com vinte anos, não teve coragem de buscar trabalho fora. Muito insegura, sonha com possibilidades que poderão aparecer. Sabe que são difíceis, mas sonha. A população está ficando velha. Pouca renovação, sobretudo entre os rapazes que migraram em quantidade.

Um destes é Fernando. Filho do dono da farmácia que espera tomar conta quando seu pai morrer. Mas ele é novo e forte. Então, para não sofrer reprimendas fica zanzando pela rua, e conversando com quem passa. Como não sabia fazer muita coisa, tinha a mania de inventar doenças para pegar remédios. Era como enganar o tempo, e seu pai brigava com ele.

Assim é a vida em Primavera. As pessoas sonham. Mas sabem que vão ficar nisso. Cuidam de apenas existir. E assim, sonhar é fundamental!


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