Ladrões de sapato

Ao entrar em casa encontra a irmã, chorosa, sentada num canto, escondendo os pés por debaixo do banco. A mãe, enraivecida, operando a máquina de costura, adverte a filha caçula:

Se prestasse mais atenção por onde anda, isso não teria acontecido. Subisse o morro pelo caminho de sempre, não toparia com esses malandros vagabundos.

Mas mãe, eu fui pegar um caderno na casa da Aninha. Não imaginei que os aviãozinho iam tá lá a essa hora. Vacilei!

E lá o tóxico tem hora, Nina Maria? Te faz de azoada! Agora tu vai pro colégio descalça. Não tenho dinheiro pra comprar outro sapato.

Beto tenta consolá-la. Abraça-a e sussurra em seu ouvido. Diz que se seu pai fosse vivo, iria lá na praça encarar aqueles ladrõezinhos, e traria de volta o seu calçado. Oferece-lhe compartilharem o seu tênis.

Passados alguns dias, ajustaram-se à nova rotina. Pela manhã, Beto calça o tênis para ir à escola, enquanto Nina fica ajudando nas tarefas da casa. À tarde, coloca o tênis do irmão e vai estudar, enquanto ele joga bola, de pé no chão, no campinho de grama que fica lá embaixo, no pátio da igreja.

Problemas surgem nos finais de semana quando, por exemplo, são convidados para uma festa de aniversário no mesmo horário. Ou, ainda, quando têm que acompanhar a mãe na missa dominical. Nada que não saibam resolver. Nina tem vergonha de usar o tênis velho, descosturado e folgado em seus pés. Assim, abre mão de ir às festinhas. Beto, por sua vez, arruma uma dor de barriga, ou outra desculpa qualquer, para não ir à missa.

Problema maior é quando Beto, pesaroso pela situação da irmã, e cansado de jogar descalço, pega emprestado um revolver lá no morro e desce para a praça, decidido a reaver o sapato roubado.

(Paródia do filme iraniano Filhos do paraíso, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro).


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