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No se sabía de donde era
Pero cuando le pidieron la identidad
Respondió despacito: Me identifico con la paz
(Mario Eleú da Silva e Dante Ramon Ledesma)
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Houve um tempo em que a estátua do Laçador, próxima ao aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre, me parecia deslocada. No entanto, quando passei a entender a memória como parte da minha viagem terrena, encontrei alguns sentidos para o monumento. Em primeiro lugar, ele representaria a origem do povo gaúcho. De modo que mesmo o porto-alegrense mais cosmopolita poderia vislumbrar no gaúcho pilchado o espectro de algum parente do interior, e partilhar certo sentimento de hospitalidade ou de confiança na palavra dada.
Levando para minha experiência pessoal de mulher nascida nos pampas, mas que partiu há trinta nos, a estátua me evoca um antimuseu errante, quase imaterial – o patrimônio da música. Sempre tive memória auditiva e nunca esqueço da minha primeira viagem de avião a Porto Alegre, ainda pela Varig, e que partira de Florianópolis, para onde me mudara. Sentei-me no corredor da fileira da frente, com três pessoas ao meu lado. Elas conversavam em gaúchês, e o sotaque soou como música para meus ouvidos. Estava com tantas saudades daquele cantarolar, que era como se inspirasse pela boca o ar que saía da garganta dos meus conterrâneos.
E se quero ir mais longe na minha origem, ainda recorro à música. Lembro do orgulho de Rosário quando conseguiu implantar na cidade seu próprio festival de música nativa – a Gauderiada. Assistíamos às apresentações no Ginásio Ervilhão, e dali íamos para o Parque de Exposições nos reunir em tertúlias com churrasco, prosa e cantoria. Contudo, a maior comoção dos rosarienses ainda estava por vir: o médico ali radicado Mário Eleú da Silva contratou o intérprete argentino Dante Ledesma para defender, na 5ª Tertúlia Musical Nativista em Santa Maria, a música Orelhano. Não foi a canção vencedora, mas se tornou conhecida e respeitada no meio musical gaúcho. Eu era bastante jovem na época, e lembro do coral de pais e filhos entoando a canção que sentíamos como nossa, além dos comentários quanto à genialidade do médico-compositor e à injustiça pelo resultado.
Orelhano quer dizer o gado que não é marcado nas orelhas e, na letra da canção, significa o gaúcho que atravessa os pampas – território comum entre Brasil, Argentina e Uruguai –, sem necessidade de portar um passaporte. Sei que o cardiologista do meu pai compôs outras coisas, mas não precisaria fazer mais nada depois de arraigar na memória musical gaúcha versos mais ou menos assim:
Orelhano, de marca e sinal