9 Guto Monteiro

Meu super-herói

Se há um momento do qual deveríamos ter algum registro é o da nossa expressão quando descobrimos aquele herói que, sem sombra de dúvida, é a companhia da qual precisamos enquanto existirmos. Embora, no decorrer da vida, haja tentativas de que outras figuras e seus comportamentos sejam por nós incorporadas. Os pais, por exemplo, em algumas fases dos filhos, irão, de alguma forma, tipificá-los, usando por vezes, argumentos que justifiquem essa atitude.

Aos meninos, o pseudônimo de Príncipe, deixando para as meninas, a doce expressão de Princesa. Essas palavras dão força para que as crianças pensem que detêm o poder sobre o mundo, a vida. Além do poder, a partir dos contos de fadas e de filmes, também fazem vinculação com beleza, bondade, superação de adversidades, garantia de amor e felicidade para sempre. Muitos de nós, lembra de algum momento em que, o pai e/ou a mãe, tenham dito a alguém: “olha que poderoso esse meu príncipe!”, “Não é uma formosura, essa minha princesa?” E ainda: “Muito inteligente!”, em ambos os casos.

O tempo voa e numa bela manhã de sol, a mensagem – “me demitiram”, chega na tela de plasma da mãe. Nuvens surgem, cobrindo o sol, tudo sem aviso prévio. A pessoa adulta que envia a notícia, outrora infanto da realeza, embora entenda que a vida exige mais do que fantasias, continua lutando com a ficção de que poderia dominar o destino, salvar o mundo, determinar os acontecimentos do seu entorno ao som de trombetas palacianas. Ter uma estrada reta, sem curvas, plana, vislumbrando, frequentemente, um arco-íris pintado no céu. Incólume a insucessos.

À progenitora cabe a árdua tarefa, de, ao invés do consolo, dialogar sobre as intempéries que, ao embaçarem as vidraças da nossa morada, impedem que se tenha clareza de que viver é uma mescla de luz e sombras. Não há como evitar. Argumentar que é preciso seguir em frente – move on, go ahead, entender as mudanças, prospectar novos dias e novas oportunidades. Chorar sem pudor. Buscar que as lágrimas lhe ajudem a levar a tristeza, hidratar, reconfortar e fortalecer, para o amanhã, e o outro, e os outros também. Pois eles virão sem manual, sem bola de cristal, e assim como haverá dias de brisa, de marolas, ventos fortes, trovoadas, ondas gigantes se farão presentes. Resistir ao canto sedutor das sereias que serão encontradas ao longo dos mares navegados.

As histórias apresentadas na infância encaminham para um final feliz: o bem vence o mal, só nos cabem roupas dos heróis da Marvel, estão nos livros, nos personagens ficcionais, na imaginação de quem as escreveu e de quem as leu ou escutou. Mesmo sabedores disso, elas nos fazem companhia, caminhando junto aos pés, tal nossa sombra. Alimentam a esperança da criança que nos habita de que, quem sabe, um dia possam vir a visitar o mundo dos humanos e, com uma vareta mágica, findar com as catástrofes. Com a desgraça humana, em todos os seus espectros.

A crise do existir é permanente, desde a história de Adão e Eva. É preciso estar atento e forte, amanhecendo com a roupa que lhe faz poderoso, mesmo de forma fantasiosa. A cada um cabe eleger o herói que, tal qual aquela silhueta desenhada a seus pés, acordará junto com o abrir de seus olhos. Eu costumo olhar a foto do meu eleito e, vez ou outra, quando desbotada, a refaço. Aliás, já é hora de fazer isso.

Acabei de fazer uma selfie.



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