7 Myrthes Gonzalez

Laços e entrelaços

Só tive melhor amiga uma vez na vida. Foi a partir dos meus nove anos e durou até o final da adolescência. Éramos inseparáveis. Tudo tinha que ser feito junto. Se não houvesse espaço para uma, a outra não caberia também. Desde bem meninas, inventávamos namoros com pares de amigos, sem que eles soubessem. Tinham que ser irmãos ou amigos inseparáveis, como nós. Guris avulsos não tinham chance. Foram dois irmãos na nossa rua, quando aprendi a andar de bicicleta com um deles. Depois outros irmãos na rua ao lado, que mal sabiam da nossa existência. Já adolescentes, outro par de irmãos, com quem demos uma ficadinha. Nessa época, a família dela já tinha se mudado para um bairro distante.  Ao invés da amizade esfriar, se fortaleceu. Fizemos uma turma de amigos no novo endereço e tínhamos programa para todos os fins de semana. De torneios de ping-pong ou reuniões dançantes na garagem, a torcida organizada no futebol dos garotos. Até encontramos dois bons amigos, que namoramos por longo tempo.

 

Vale dizer que sempre estudamos em escolas diferentes. Ainda bem! Nossa simbiose teria sido ainda maior e não haveria espaço para mais ninguém. A mãe vivia implicando com tanto grude. Acho que não gostava de ter que carregar mais uma criança para tudo quanto era lugar. Era festa de família, viagem, passeios de fim-de-semana. Lembro de uma vez, quando ficamos maiores, em que ela falou cheia de preocupação: vocês parecem lésbicas, o que os outros vão pensar? Nunca me importei muito com os pensamentos alheios. Na verdade, até gostava um pouco de causar espanto. Adorava dizer que nunca iria me casar, mas que seria mãe, com certeza. Assim como que achava um absurdo casar virgem. Imagina marcar dia e hora para transar pela primeira vez. Isso tem que acontecer ao natural, quando for a hora. Assim foi. E só me casei, bem mais tarde, depois de ser mãe. Com o pai dos meus filhos, só para constar. Pensando nesse meu comportamento rebelde desde criança, não é de se estranhar que os parentes do interior me considerassem a avançadinha da capital. Meu único avanço em relação às outras era assumir publicamente minhas opiniões e arcar com as consequências. Não julgo ninguém, nem as moças que não tinham a minha coragem, nem os que me julgavam. Cada um representando seu papel.

 

Voltando à melhor amiga, foi um tempo de ouro, mas, como tudo tem prazo de validade, nossa amizade começou a esfriar por volta dos 19 anos, quando teve fim meu namoro com o melhor amigo do namorado dela. Fomos nos afastando naturalmente, cada uma com seus interesses e afazeres, que se tornaram muito desiguais. Ela seguiu com o mesmo par por toda a vida, e já era mãe quando eu ainda estudava e fazia festa. Passamos a nos ver raramente, até ficarmos anos sem notícias uma da outra. Nos encontramos poucas vezes na fase adulta. Lembro de algumas ocasiões especiais: na minha formatura, ela compareceu com a filha pequena; anos mais tarde, levei meu menino para ela conhecer; e a derradeira, há cerca de quinze anos, quando me chamou para contar que estava com o mesmo câncer da mãe. Em poucos meses, partiu.

 

Depois dela, nunca tive outra amizade assim. Tive amigas, ainda tenho, mas nenhuma melhor do que a outra. Algumas são mais parceiras na alegria, outras, na dor, todas preciosas, cada uma no seu momento. Acredito que ter uma irmã supriu minha necessidade de melhor amiga e confidente. Quando adultas, nossa diferença de idade desapareceu. Casamos com homens que se deram bem e criamos nossos filhos muito juntos. Desde que os maridos se foram, temos sido cada vez mais próximas. Verdadeiras companheiras de vida. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte nos separe. Quando viajamos juntas – duas mulheres com tanto companheirismo e afetividade – deve ter quem suponha que sejamos o que nossa mãe me sugeriu um dia. Se eu não me importava aos quatorze anos, imaginem depois dos sessenta!



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