5 Iara Tonidandel

As melhores intenções

Já contei que, na meninice, eu e minhas irmãs tentamos salvar um filhote de beija-flor que caíra do ninho? Pensa no tamanho de um beija-flor. Depois, pensa no tamanho do seu filhote. Agora, pensa na chance de isso dar certo. Pensando bem, nosso insucesso era mais do que evidente. Ainda assim, tentamos colocar água com açúcar para o bichinho se alimentar. E colocamos uma lâmpada para aquecer uma caixa de sapato com ninho de algodão. O plano não esteve nem perto de funcionar e, depois, o pai explicou ser quase impossível.

Data da mesma época outra tentativa semelhante, com um filhote maior de passarinho. Recolhemos do chão, fizemos ninho aquecido, alimentamos com papinha de miolo de pão com leite. Teria dado certo se não fosse por um detalhe: algum inseto (mosca?) deixou seus filhotes no filhote. Quando vimos, havia bernes se movendo por baixo da pele do passarinho. Um horror semelhante aos filmes de alienígenas. Aliás, numa rápida digressão, quase todos os aliens são inspirados em insetos tornados grandes. Aliás do aliás, não teríamos chance contra insetos grandes. Aliás do aliás do aliás, pensando bem, matamos baleias – nossos piores adversários são microscópicos.

Calma, há uma boa notícia. Ainda lá nos anos 1970, ao chegar a hora de voar, um bem-te-vi filhote mais taludo não teve êxito. Na natureza, há dois tipos de passarinhos: os que voam e os que morrem. O terceiro tipo só existirá se homens os salvarem. Sem outras fragilidades além de um defeito numa das asas, Guegué (ele quem se batizou) finalmente nos deu a chance de sucesso e virou mais um dos nossos bichos de estimação. Habitava uma gaiola aberta – lá ficava só para dormir. Criou uma relação estranha de amizade com a Chica (cadela fox) e só não viveu muitos anos porque, inadvertidamente, comeu veneno para lesmas. Um acidente pelo qual o pai nunca se desculpou.

Já no início da década seguinte, afeiçoou-se a nós (na verdade à minha mana Carla) um anu preto. Isso não é normal. São bichos muito ariscos e temperamentais para criar laços com humanos e, segundo consta, foi Lino (seu nome) quem tomou a iniciativa. Chegou mesmo a fazer coisas como ficar no dedo e passear no ombro. Causou embaraços: pousava na cabeça de passantes na calçada dando um susto danado (anus são meio grandes, menores que papagaios, mas maiores que periquitos). Um dia foi embora e não mais voltou.

Onde quero chegar com tantas asas? Num texto atenuante à recente crônica na qual confesso minha ojeriza às pombas. Fui criado com pássaros sempre por perto. Sou despertado por sabiás onde moro. Temos joões-de-barro andando pelo gramado de casa o tempo inteiro, além de saracuras, gaviões, bem-te-vis, saíras… Corruíras fazem ninhos nas casinhas que temos na varanda. Nossa relação amistosa alcança até as pombinhas-rolas, mansinhas a ponto de permitir que estejamos perto. Não chego ao exagero da minha mãe, pois em sua casa nem os farelos de pão vão para o lixo: vão para os passarinhos. Mas não sou um monstro. Pergunte ao beija-flor.



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