11 Carla Penz

Berlim

Mamãe sempre teve dois corações em relação àquela viagem. Diz que ela e papai gastaram uma grana que não tinham. Claro. Fizeram empréstimo. Pacote turístico de circuito europeu. Dez dias visitando França, Bélgica, Holanda e Alemanha. Ou talvez eu devesse dizer Paris, Bruxelas, Amsterdã e Berlim. Anos 1990. Mamãe lembra que algumas coisas facilitaram a viagem naquela época. Real forte, cartões de crédito internacionais e euro. Mamãe diz que antes quem viajava para a Europa tinha que se preocupar porque era uma moeda para cada país. No Brasil se vivia a ilusão que um real valia um dólar.

Eu e meu irmão, pequenos ficamos com meus avós maternos. Apesar de ter pouca idade, fiquei bem ressentida. Sempre que tocamos nesse assunto, eu volto a reclamar. Mamãe diz que se ela e papai levassem eu e meu irmão, as despesas aumentariam muito.

Para mamãe o lado bom ficou por conta daquela frase de agência de turismo: você sempre volta diferente de uma viagem. Da Europa então, imagina. Ela diz que era tudo diferente. As cidades, as pessoas, a comida… Até a luz do sol era outra. Compraram muitas lembrancinhas, exceto em Berlim. Lá o velho se encantou com um mercado de pulgas. Comprou uma miniatura de Trabant, uma máquina Praktika e um uniforme completo do antigo exército da Alemanha Oriental, com direito a uma máscara contra gases. Mamãe diz que comprar aquelas coisas não fazia sentido. Eles tinham levado uma câmera. E que loucura era aquela de uniforme militar? O velho respondeu que ele gostava de ler sobre História; e aquela câmera era melhor que a que eles tinham e estava uma barbada. O valor do carrinho nisso era irrelevante. Ele sacou dinheiro do cartão de crédito para comprar os troços.

Tem uma foto na família com ele me segurando no colo vestido com o tal uniforme. Foi tirada com a máquina comprada lá.

O lado ruim é que gastaram os tubos. Demoraram para se reequilibrarem.

E pouco mais de dez anos após aquela viagem o velho faleceu. Teve um câncer de vesícula agressivo. Rápido e fatal.

Foi nessa época que eu e meu irmão começamos a trabalhar para ajudar a mamãe. Eu numa central de atendimento e fazer faculdade à noite. Consegui meia bolsa.

Na faculdade uma colega me comentou que, seu eu quisesse, poderia ganhar bem mais que no telemarketing, e com menos esforço. Foi assim que, em uma noite eu fui com ela a uma boate, comecei. Eu disse para mamãe que ia sair com uma colega. Não menti.

E agora, anos depois, estou aqui em Berlim. A casa é espaçosa, oferece relativa segurança e em dias bons eu consigo fazer até uns 800 euros. Eu trouxe de volta o velho uniforme do papai. Alguns clientes querem usar. Outros pedem que eu vista, e depois dispa.



Descubra mais sobre Oficina Santa Sede

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

gostou? comente!

Rolar para cima