Olha pra frente. Vamos, homem! Aqui, bem aqui na lente – este vidro que imita um olho sem pestana. Ah, ele parece não ter alma? Quem precisa de alma, meu senhor? Este olho frio é quem vai fazer a mágica.
Agora, por favor, apruma os ombros. Ninguém deseja ver o retrato de um homem sem postura, com aparência de cansaço. Certo, eu também estou cansado. Só esqueça o cansaço: põe os ombros para trás até estralar a espinha, senão ainda não chegou ao ponto. Melhor, bem melhor.
E esse sorriso, aí? De onde ele veio? Tenho cara de quem está de brincadeira? Ninguém gosta de homem bobo, faceirinho. Olha o senhor, um idoso, e ainda não se dá ao respeito.
Espera um pouco: tenho um casaco ali no cabide que pode nos ajudar. Um dia foi de um cliente e acabou aqui esquecido. Melhor para mim: consigo dar um lustro em uns aí como o senhor. Ruim, é? Põe assim mesmo, o cheiro dele não sai na fotografia.
Ainda não deu. Deixa ver… Quem sabe com a minha gravata? Não, não precisa saber fazer o nó, coloco no seu pescoço com o nó feito. Ah, melhorou!
O que foi agora, que cara é essa? Tá bom, afrouxa um pouco a gravata. Não muito. Assim e olhe lá. Apruma os ombros, homem! Parece que carrega o mundo nas costas!
Olha aqui… Sem sorriso. Mais sério. Mais sério. Ainda mais sério. Ah, deu! Volta amanhã para buscar. Paga agora. Nem vem com choro que eu bem devia cobrar aluguel do casaco e da gravata.
Foi assim que ele fez o maldito documento em que ninguém o reconhecia, por mais que avalisasse ser mesmo ele, sim senhor. Mas não se incomodava muito, não. Até achava graça e seguia sorrindo apesar da máscara que lhe fora imposta.