A nada doce ilusão
Marcel Souza
Todos dias, após trabalhar durante a passagem do sol, Zumbé volta para a Senzala, onde é colocado em um ambiente apartado dos demais para descansar.
Mesmo sem nenhuma ocorrência de participação em revoltas, é visto como líder e com inteligência para organizar uma rebelião. Essa é a razão de dormir em um local separado, embora lhe vendessem como um benefício por ter mais privacidade e um lugar só seu.
Estão todos trabalhando no campo, e ele liderando boa parte do grupo quando começa um desentendimento entre os trabalhadores. Zumbé tenta intervir e apaziguar:
— Parem! Calma, o que aconteceu? Vamos conversar.
Mas logo foi acusado por um grupo de ser a favor da Casa Grande e privilegiado por ter um espaço reservado na senzala. No calor do momento, o grupo se dividiu entre apoiadores e contrários a ele. Apaziguador, tentava convencer um a um de que não era bem assim.
— Olha aí, chegou o queridinho do doutô, tem até quarto particular — acusam uns.
— Ele sempre ta nos defendendo, não é justo falar assim dele! — defendem outros tantos
— Não sei por que fico separado de vocês, nunca pedi nem me explicaram o motivo.
Na Casa Grande, João, funcionário, avisa o patrão.
— Olha lá a baderna, seu José!
— Vamos lá, João! Acabar com isso antes que saia do controle.
Num piscar de olhos montam seus cavalos e partem em disparada na direção dos escravos. Para ajudar a dispersar atiram para o alto. Todos se abaixam ou fogem, menos ele.
— Benção, seu José, tarde, João, eu não entendi como tudo começou, mas quando fui interferir, alguns reclamaram de eu ficar separado durante a noite, quero dormir com o restante a partir de hoje.
— Não mesmo, isso é decisão minha e você vai ficar sozinho — respondeu José.
— Mas…
— Sem mas, aqui mando eu.
O dia de trabalho termina com todos voltando a senzala e sofrendo chicotadas. Para desespero dos colegas Zumbé escapa dessa tortura na frente de todos. Porém ainda sem muita convicção do que ocorreu no campo, João pensa em algo para incomodá-lo. Ao fechar ele em sua cela privada oferece um cachimbo para relaxar que fica preso a sua cabeça, e lhe prende pelo pescoço a parede. Iludido pelo cheiro do fumo, ele ri um sorriso bobo, cheio de ingenuidade. Mas o desejado prazer tinha um obstáculo definitivo: a dor.