Fiquei minha vida toda ali em cima do pedestal, desde aquele 20 de setembro de 1958. Vendo os aviões chegarem e partirem, os carros correrem pelo asfalto e o mundão de gente que entra na cidade e me avista de longe. E eu ali, paradão, nem um matungo pra me ouvir os causos.
Quem me fez foi o tal do Antônio Caringi. O cara fez outras coisas bacanas, mas depois ficou esquecido, decerto não quis gastar com marqueteiro e se deu mal. Meu modelo foi o Paixão Côrtes, esse ficou famoso, porque se enveredou pelo tal tradicionalismo gaúcho e se arranchou. Apareceu muito em rádio e tevê, só que daí começaram a chiar: quem via aquele guasca bigodudo e de pança grande, mais feio que briga de foice no escuro, não queria nunca acreditar que aquela figura era a imagem do Laçador. Ha! Saí ganhando nessa!
Na real, mudei de lugar duas vezes – me tiraram, sem me consultar. O pessoal protesta pra tudo, qualquer miudeza já dizem que não teve consulta popular; mas e eu? Ninguém pergunta se estou querendo movimento. Na primeira vez, em 2007, me transferiram para o Sítio do Laçador, uns 600 metros de onde eu estava. Até que gostei, me encimei num sítio um pouco mais alto, nada a ver com as coxilhas do interior gaúcho, que se espraiam até onde a vista alcança, mas o nome até que ficou bonitaço: Coxilha do Laçador.
Desde lá eu andava sentindo umas coisas meio estranhas, estava assim mais firme que palanque em banhado, tchê, parecia que se viesse um minuano forte eu, mais pesado que sono de surdo, ia me soltar lá de cima e me estrebuchar na barranca. Mas me aguentei por uns anos com aquele nó nas tripas, até que em 2016 os homens da ciência vieram com uns aparelhos e viram que eu tinha umas rachaduras. Não é que os operários, pra me deixar bem firme no lugar novo onde me assentaram, tinham metido argamassa de cimento e resto de tijolo por dentro de mim, até a altura da bombacha? Ôigale, meu, até água da chuva eu tinha no bucho!
Só sei que agora estou longe, esperando a tal da restauração. Prometeram tirar todo o cimento e me enfiar dentro uns troços de aço inox, que é pra não ter mais perigo de eu levar outro cagaço. Ando assim abichornado, mais nervoso que potro com mosca no ouvido; a coisa é demorada, depois ainda vou ter que levar uma pátina, pra não ficar com cicatrizes. Coisa muito fina, vivente.
Bom, o negócio é ter paciência, despacito eles me ajeitam e me botam de novo no lugar. Lá, faceiro, volto a receber o pessoal que chega na cidade com meu jeito de sempre: por fora, mais sério que guri mijado; por dentro, mais alegre que cusco de cozinheira.
Maria Tereza, que texto bonito e inspirador!
O coitado do Laçador estava mesmo precisando de uma madrinha! Orgulhosa de ti, ofereço o meu aplauso e a minha admiração. Abração.
Adorei. Parabéns.
Mui lindo! A linguagem nos faz esquecer que é uma escritora em nossos dias fez esse texto! Ela deu voz ao Laçador ! Parabéns!