Vejo o mundo sob uma perspectiva diferente: de baixo para cima. Mas não só. A questão não se limita ao ângulo. Passa pela forma de estar no mundo. Não exatamente o onde, mas o como. Claro que o onde interfere em várias percepções, mas o como tem um peso diferenciado. Explico.
Onde? Numa rua. Rua Jerônimo Coelho. Em Porto Alegre, Florianópolis, São Paulo ou Rio de Janeiro. Uma rua num centro histórico ou num bairro do subúrbio. Político catarinense durante o Segundo Império que governou as províncias do Grão-Pará e do Rio Grande do Sul. Também foi personagem importante no restabelecimento da paz entre os revoltosos farroupilhas.
Como? Por entre marquises e calçadas estreitas conto com a empatia dos outros… Fico a perguntar: como nomear esses “outros”? Outros pedestres, outros cidadãos? Eu, pedestre, necessito de rodas para me locomover. Também de uma boa dose de paciência e resignação. Eu, cidadã, presencio meu direito mais básico – o de ir e vir – violado diariamente. Quem são esses outros? Ou quem somos nós? Pedestres e cidadãos de mesma envergadura? Eu sou aquela que aproveita o excesso da camada de asfalto para descer da calçada e atravessar a rua, já que rampas são artigos de luxo.
Onde? Numa praça. Praça Marechal Deodoro ou Praça da Matriz. Em Porto Alegre, Salvador, Teresina ou Goiânia. Certamente em outras capitais brasileiras, já que o famoso proclamador da República deve ter sua memória relembrada nas cidades do Brasil, apesar de ter sido monarquista convicto. Florianópolis não tem uma praça com esse nome, não que eu conheça, mas poderia ter, próxima à Rua Deodoro. Poderia ser o outro nome da Praça XV de Novembro, que também tem uma igreja matriz.
Como? Enquanto a maioria das pessoas usa as praças para cortar caminho, para o lazer ou para descansar do almoço – principalmente nos centros urbanos –, eu sou do grupo da minoria. Praça para mim é sinônimo de um esforço ainda maior para me locomover no chão de terra ou para acessar ao monumento comumente cercado por escadarias. Descansar sob a sombra de uma árvore nem sempre é possível. Vários obstáculos dificultam essa tarefa tão simples para muitas pessoas.
Onde? Num prédio histórico. Esses, em regra, são únicos. Aqui vou me ater a um conhecido como Forte Apache, em razão de sua forma quadrada e da torre na esquina lembrando o brinquedo de criança. Mas se trata de um palácio, que não deixa de ser um lugar fortificado. Os palácios – esses, sim – podem ser encontrados em várias cidades brasileiras. Palácio Provisório, das Cocheiras, do Ministério Público. Muitos palácios em um só. Em regra, é muito difícil para mim conhecê-los no seu interior. Construídos em épocas em que as regras de acessibilidade não contemplavam os usuários de cadeiras de rodas. Embarco em viagens virtuais para matar a minha curiosidade. Além disso, esses locais necessitam de constante reforma, e os andaimes e tapumes são mais um obstáculo a minha locomoção pela cidade.
Não estou aqui para me queixar. Não é essa a minha intenção. Quero propor uma mudança de perspectiva. É um desafio. Pense em alguma dificuldade que você não tenha. Pode ser física ou intelectual. Agora, imagine-se em um cenário que conhece bem, na sua cidade, próxima ao seu trabalho ou sua casa. E comece a fazer o percurso. Talvez você consiga perceber como é estar no mundo de uma forma diferente da sua e sentir quantas necessidades o ser humano pode ter.