Com focinho estirado ao chão, sem força, o corpo adere ao piso. Quase um tapete esparramado na sala.
De um lado para o outro, apenas os olhos querendo acompanhar a discussão.
Era um jantar para poucas pessoas, familiares que vieram de longe para confraternizar.
O dissenso político é essencial em uma democracia, mas a agressividade não.
Uma energia potente desperdiçada em palavras ao léu. Ao léu porque ninguém escuta. O objetivo é
manter-se seguro nas convicções.
Percebo, já em transe, que estão falando a mesma coisa e o tom é de briga.
Como chegamos até aqui? Que isca perversa nos foi arremessada que como cães famintos abocanhamos de forma desatinada?
Em meio à tormenta do debate vejo luzes piscantes, cada vez rápidas, meu coração dispara, vou desmaiar.
Corro para o sofá.
Todos correm para me socorrer.
– Levanta as pernas!
– Deita a cabeça.
– Sal embaixo da língua.
– Vou pegar uma água.
E o calor do debate se dissipou em dois segundos.
O mesmo objetivo era traçado pelos antes opositores: me salvar. Ter a certeza de que eu ficaria bem.
Eu aliviada, respirando melhor, percebo um eixo fraterno comum. O âmago.
De pessoas ensandecidas pelo frisson do momento, a amorosas e empáticas.
Sem premeditar, em fuga, achei um jeito de sair dali, encerrar aquela disfuncionalidade.
Achei que ia morrer e quase morri.
Amanheceu e Bidú estava lá atirado ao chão, feito capacho, ressacado.
Um rolo de papel higiênico jazia despedaçado na sala, talvez resquícios da raiva descontrolada pela
simples divergência de opiniões retratada no desatino do cão.