Sandálias vermelhas
Dora Almeida
O dia fora ruim. No banco da praça, Marcelino conta as moedas que carrega no bolso. Uma mixaria, mal dava para comprar o pão que ficara de levar para o café da noite. Parece que ninguém quis comprar suas balas. E pensar que hoje daria a entrada na compra das sandálias vermelhas que a mãe tinha visto no brechó da tia Mariza!
Olha para os lados. O dia também não fora bom para os outros frequentadores da praça. Até seu Zé, o pipoqueiro, estava com o olhar desenxabido, nem lhe dera o saquinho de pipocas de todos os dias, embora visse o menino de olhar comprido ao lado da carrocinha. Os parceiros do jogo de damas não vieram hoje. Pouca gente parando na banca de revistas.
Nem mesmo os amigos das moças de roupas apertadas, coladas no corpo, olhos sempre bem pintados e batom vermelho, apareceram. Elas rodavam pela praça, mas logo sentavam um pouco, só para descansar os pés metidos em sandálias de saltos muito altos.
Uma delas sentou ao lado do menino. Conversaram, ela lhe deu um pedaço de chocolate. Usava um lenço no pescoço, combinando com as sandálias vermelhas. Marcelino comentou que estava juntando dinheiro para comprar um par dessas para a mãe. Ela gosta muito – disse. A moça sorriu, falando – quando eu não precisar mais delas, quem sabe te dou de presente e tu levas para tua mãe?
Em seguida levantou, acenou para o menino e foi andando pela praça com um homem que Marcelino já havia visto ali outras vezes. Acompanhando o casal com o olhar, viu quando eles entraram no prédio em frente. Será que ela mora ali?
Passado algum tempo, Marcelino ouve um baque surdo de algo que cai no chão, e um par de sandálias vermelhas rola até seus pés. Alguns metros adiante, o corpo de uma mulher. Aproxima-se. Apavorado, sem pensar, pega as sandálias e as esconde no moletom surrado. Foge rapidamente. Algumas quadras adiante, senta no meio-fio da calçada, com o coração aos pulos.
Aperta com força as sandálias vermelhas de saltos muito altos – ela não vai precisar mais delas.