Olhar treinado
Tom Saldanha
Na beira de um caminho estreito, em um pequeno bosque, seus olhos perceberam um quadro com alta dose de surrealismo. Recuou um pouco para enquadrar novamente o que conseguira ver. A imagem já era uma obra pronta e acabada. Bastava-lhe apenas o registro.
Flores ainda viçosas, entre galhos retorcidos e objetos descartados, compunham um estranho arranjo. Mais ao fundo, num claro segundo plano, uma cruz cravada na grama. Ornada por duas flores artificiais que mais pareciam Estrelas de Davi, era o esboço da saudade que ajudava a compor a cena situada entre o onírico e o bizarro.
Tinha fascínio pela captura de elementos compostos pela aleatoriedade e pelo imprevisto, artistas tão comuns no nosso cotidiano. Só mesmo um modelo ditado pelo acaso, somado à imaginação de quem cata imagens por onde anda, para juntar aqueles símbolos de parceria pouco – ou nada – usual.
Estruturas estéticas surpreendentes podem estar à espreita, aguardando serem descobertas por um olhar mais atento. Quando alguém deixa que seus olhos sejam os guias da sua percepção criativa, tudo pode acontecer. E esta é uma das características que nos eleva acima de todos os outros animais: a capacidade de enxergar e criar coisas que não existem dentro do plano real.
Seria a cruz uma homenagem a alguém que ali tombou em um antigo inverno? Eram as flores a sobra silenciosa de uma rumorosa festa? E os objetos abandonados: espólio de um amor que não deveria deixar vestígios?
Vai imaginação! Viaja além do registro concreto para que a representação do sonho ganhe peso, gosto e cheiro. Para que em algum lugar, algum tempo, outros possam admirar e chamar por diferentes nomes aquilo que guardamos como o maior tesouro a nós confiado.
O poder de inventar com o coração e a mente o que os sentidos jamais apreenderam.
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