Morar em Porto Alegre vivia nos meus planos desde criança, quando os passeios familiares incluíam a visita aos tios migrados para cá. Obrigatória a ida até o aeroporto, que na época recebia os visitantes em seu grande saguão, proporcionando a vista do céu e das decolagens. Olhando em retrospectiva, não tenho dúvida de que essa era minha imagem da capital, uma cidade onde cabiam o infinito e minha alma desacomodada, sempre querendo alçar voo. A própria vida se encarregou do deslocamento, agregando amor aos meus desejos. E tão felizes as mudanças de estado civil e de CEP, que não poucas vezes me pergunto se um dia morei mesmo em algum outro lugar.
Gosto de uma história curiosa, que se juntou a esse contexto de harmonia. Na última década do milênio passado, era pré-GPS, o habitual consistia em usar mapas para entender e se situar em uma cidade. Apesar da minha assumida deficiência para lê-los, não custei a visualizar que aqui a maioria dos bairros eram tracejados por ruas paralelas cortadas por transversais, não muito diferentes da minha Caxias do Sul de origem. No papel, evidentemente, o que descobri assim que comecei a encarar o trânsito sozinha. Meu maior erro ao volante foi querer dar a volta na quadra. A cartografia não contava com a inexperiência de uma nova moradora e, logo, não indicava que todas aquelas paralelas iam para a mesma direção ou que, quando, enfim, a próxima transversal permitia o retorno para a rua que eu precisava reencontrar, o que me aguardava era um muro entre as duas pistas, obrigando, outra vez, a ir adiante. Condicionada ao trânsito de uma rua vai e a outra volta, custei a internalizar como me mover em Porto Alegre sem gastar horas e horas perdida.
Foi assim que me tornei íntima do Gasômetro.
Bastava que eu saísse a dirigir, não importando para onde. Depois de tanto ir de uma página a outra do mapa, conforme as indicações de que a 5 continuava na 9, ou a 3 na 7, acabava desistindo de me guiar por aquelas linhas que não me diziam nada. Acionava uma espécie de piloto automático mental e, quando via, lá estava ele à minha frente. Histórico e majestoso, um dos símbolos da cidade.
Agora vejo que aquele magnetismo do Gasômetro tinha algo mais do que ser o ponto de onde eu sabia voltar. Era como se ele apontasse para a vista logo em frente, proporcionada pelo Guaíba, para além do pôr de sol espetacular, unanimidade quanto à beleza. Era como se me convidasse a entender aquele volume de água a banhar a cidade e a movimentá-la. Rio ou lago? Andei lendo sobre a polêmica, e a importância da definição correta remete a questões muito mais complexas do que eu imaginava. Mas isso já é assunto para outra crônica.