5 Iara Tonidandel

Eu canto, ele voa

Meu irmão fugiu. Foi no horário da limpeza. A porta estava aberta, ela se descuidou e ele escapou de fininho. Foi uma balbúrdia, ela acionou toda a vizinhança para ajudar.  Nunca mais o encontraram. Fiquei dias ensimesmado, sem vontade de cantar.  Ouvi dizerem, algum tempo depois, que deveria estar morto, pois não teria como sobreviver sozinho. A menos que alguém o tivesse pegado.

 

Quando ela resolveu aparar minhas asas, achei que fosse na intenção de me deixar mais bonito. Fiquei feliz. Desde então, a porta da gaiola fica aberta. Sou livre, mas não posso voar. É uma vida tranquila, recebo comida, água e proteção. Não preciso me esforçar para nada. Então, eu canto. Passo o dia a cantar. Às vezes meu canto é alegre. Sou grato por tudo o que tenho aqui. Mas há dias em que meu canto é muito triste. Sinto falta de meu irmão e de ter amigos. Ontem, na sacada onde costumam colocar minha gaiola, cantei muito alto, chamando a atenção de todos. E ela dizia às crianças: vejam como ele está feliz hoje. Acho que está cantando para vocês. Que nada! Estava mais triste do que nunca. Tinha avistado dois iguais a mim juntinhos no fio de luz. Vez ou outra encostavam seus bicos num gesto de carinho. E eu quis muito estar naquele lugar, por isso cantei alto, como um pedido de socorro. Inútil. Ninguém veio. Ainda que viessem, já não posso mais voar. Meu lugar é aqui para sempre. 

 

Gosto quando me deixam por longo tempo na sacada. Tem o barulho dos carros e o falatório da vizinhança se encontrando na calçada, mas tem outros sons que eu gosto mais. Quando venta, é muito legal ouvir o barulhinho das folhas batendo umas nas outras. Das árvores vêm cantos variados de espécies como a minha. Alguns são bonitos, harmoniosos como o meu. Há seres maiores, que não sabem cantar; emitem uns sons diferentes e muito esquisitos. Desses eu tenho medo. Outros, menores, voam em bando, formando desenhos no céu. É tanta coisa bonita que eu posso ver da sacada! Até me esqueço um pouco da tristeza de viver só. Há alguns dias, acho que fiz um amigo. Ele é muito pequenino e tem cores bonitas, diferente de mim que sou todo cinza. Ele tem um bico muito comprido, que fica passando de flor em flor, como se as estivesse beijando. É jovem e livre. Muito simpático, sempre olha na direção da minha gaiola. Temo-nos visto diariamente. Amanhã, vou chamá-lo para vir mais perto. Vou mostrar como a vida é tranquila por aqui e, depois, vou convidá-lo para ficar. E nos tornaremos bons amigos.

 

Talvez eu não me sinta mais sozinho.

Talvez ela corte as asas dele também.


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