Sentada na poltrona central da sala, indiferente aos ruídos da chuva, confere as mensagens no celular a cada minuto. A música romântica que vem da caixinha de som traz à lembrança quando viajaram pela primeira vez. A leveza da paixão a fazia imaginar que ficariam juntos por longo tempo. Uma relação talvez interminável, embora não acreditasse em destino ou infinitude.
Consulta mais uma vez o celular. Imagina que ele vai enviar uma mensagem com alguma desculpa, como sempre faz: serão no escritório, jantar de negócios, futebol, chope com a turma e outras lorotas. No início, pensava que eram mesmo verdades, até que se tornaram rotina. Preferiu continuar acreditando, temerosa do que poderia ocorrer, caso enfrentasse a situação.
É exigente e crítica consigo e com os demais, embora, nas relações amorosas, reconheça sua fragilidade. Procurava mantê-las, ainda que desgastadas, por entender que o amor está acima das suscetibilidades e que pode ser reinventado. Ainda assim, os desfechos foram sempre conturbados, beirando a violência.
Passa das dezenove horas e sabe que tem que tomar uma atitude, caso queira confirmar as suas suspeitas. Entende como mais uma humilhação que ele agora sequer se preocupe em avisar que está atrasado. Põe a bolsa a tiracolo, abre o guarda-chuva e sai para a rua.
Em desvario, tenta afastar as lembranças amorosas e segue a passos largos, alheia ao aguaceiro que desanda, determinada a desvendar tudo, de uma vez por todas, ciosa do que vai acontecer.
Com o cair da noite, os olhos marejados, mal vislumbra a silhueta dos dois, conversando ao abrigo de um só guarda-chuva, em plena praça, sobre os paralelepípedos, na beira do rio.
O rosto molhado, não sabe se de suor ou da água da chuva, os lábios roxos contraídos, as mãos trêmulas e a raiva a dominá-la. Saca o revólver da bolsa e dispara seis tiros na direção dos amantes. Os dois caem, abraçados, inertes. A enxurrada lava a sangueira que jorrou de seus corpos, escorrendo-a pela sarjeta até o leito do rio.