Paragens

Inóspito? Ermo? O local da minha infância é inadjetivável. Solidão talvez seja o termo que expresse um pouco do que aqueles campos me trazem de lembrança. Sim porque eram campos, daqueles de perder de vista a linha do horizonte, gramínias, nada de muitas árvores. As poucas que tinham contam histórias, das brincadeiras que fazíamos de subir e descer, do balanço enjambrado para os menores mas que os grandes também usavam, do namoro dos principiantes na suas sombras, muitas histórias. E as casas? Poucas e distantes umas das outras, conhecíamos os vizinhos pelo nome mas só os víamos lá de vez em quando. Cada família envolvida com sua lida, com as cabras, os porcos, as galinhas, o plantio, com seus problemas enfim. Às vezes nos víamos na capela que quinzenalmente celebrava uma missa. Às vezes na estrada quando uns íam e outros vinham. De onde para onde, você há de perguntar diante da imagem deserta desta paisagem. Do armazém para casa ou da capela para casa ou de uma casa para outra. Não éramos dados a visitas não, praticamente só se ía na casa de um vizinho quando se precisava de ajuda. Cada um no seu hectare, nada de muitas sociabilidades. Ninguém era de falar muito, o silêncio vigorava e fazia linha contínua com a paisagem – nada mais harmônico e natural. O latido dos cães à distância cortava a quietude. A escola ficava longe, de forma que poucos estudavam, era privilégio de uma minoria. A preocupação com a sobrevivência falava mais alto, o plantio e a roça ocupava o tempo e as mentes. Bem como o cuidado com os animais que futuramente seriam abatidos para servir de alimento. Tristes tempos, você pensará. De certa forma sim, melancólicos tempos, mas por outro lado não. As relações familiares eram muito sólidas, estruturavam e fortaleciam cada homem e cada mulher. Laços tão fortes que eram difíceis até de desatar. Sair de casa para morar em outro lugar era quase uma afronta, precisava peitar pai e mãe, uma desobediência difícil de perdoar, praticamente uma traição. O que se esperava é que os filhos continuassem a obra dos pais e ponto final. Sair disso era uma verdadeira saga, uma aventura. Mas muitos ousaram, alguns para nunca mais voltar. Outros se arrependeram e retornaram, filhos pródigos. Outros ainda só voltavam temporariamente para matar a saudade. Mas ao voltarem reviviam as condenações e lamentos de quando haviam saído. Nada mudava, tudo devia apenas continuar a ser. O tempo parou ali naquelas paragens, bem ali.

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