John Jude Palencar por Regina Lydia Rodrigues Jaeger

Papo cabeça

Regina Lydia Rodrigues Jaeger

Nas suas andanças por exposições de arte, Rebeca se deparou com uma pintura surreal que lhe causou certo incômodo. Apesar de técnica e esteticamente bem feita, pelo claro/escuro e textura utilizados, não era uma visão agradável: parecia a tortura de um escravo andrógino, preso em instrumentos de ferro com um cachimbo aceso suspenso na sua testa. Ao mesmo tempo, sua expressão transparecia prazer. Uma ambivalência muito forte. Acompanhada de sua amiga Mercedes, ela comentou:

Esta imagem me remeteu à Frida Kahlo que pintava sua própria dor e, mesmo assim, suas obras eram de uma beleza impressionante. Não que eu seja sua fã, longe disso, jamais compraria uma obra sua, bem como não compraria esta. E tu, Mercedes, comprarias?

Pois gostei! Esta compraria para colocar na sala de espera de meu consultório

Vais complicar ainda mais as terapias dos teus pacientes – as duas dão risadas.

Alguns críticos de arte, dizem que Frida fez a transmutação criativa da dor em beleza, apesar da visibilidade da dor há sempre beleza. A Arte tem suas provocações para fazer cada um refletir, não só admirar, tornando sua fruição e leitura uma experiência sui generis. Umberto Eco, no seu livro Obra Aberta, detalha esta liberdade de interpretação para todos os tipos de Arte. Rebeca e Mercedes eram um claro exemplo disto.

Mercedes, psicanalista, sempre pronta a polemizar, retoma a conversa:

Dizem alguns especialistas, que dor e prazer não são opostos, que se confundem e se mesclam, como numa relação simbiótica. Os sadomasoquistas poderiam nos explicar melhor isto, ou não, pois mesmo para eles pode ser inexplicável.

Desculpe minha ignorância no assunto, Mercedes, mas tenho minhas dúvidas, ou melhor, descrença nesta interação. Penso que dor é um sofrimento profundo; e prazer, uma satisfação intensa, não sendo possível um convívio amigável.

Ceci n’est pas une Pipe ‘isto não é um cachimbo’ – em alusão a obra do pintor surrealista René Magritte – Tu bem sabes, Rebeca, sobre o jogo da traição das imagens.

Certo Mercedes, nisto tu até tens razão, apesar de não me convenceres a comprar o quadro. Mas te digo uma coisa, naquele cachimbo ali suspenso, está a salvação e a libertação do Preto Velho. E antes que tu me venhas com o Freud e seus impulsos de vida e de morte, vamos passar para outra obra.


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