Maria Amélia Mano em foto de Gabriel Munhoz

O fabuloso destino de Dustin

Maria Amélia Mano

Depois de ser demitida da biblioteca e de perder o amor da vida, Wanda se trancou em si e em casa. Habilidosa na restauração de livros, vivia de pequenas encomendas. Na mesa de trabalho, os livros antigos, os materiais de restauro e o aquário onde Dustin, o Betta dourado, nadava com a elegância dos peixes ornamentais. Na mesa também, uma garrafa de tequila que Wanda costumava consumir com sal e limão, ouvindo Hotel Califórnia sempre que terminava trabalho mais exigente, com mais retorno financeiro.

Nas horas vagas, via filmes, sempre os americanos. Dustin era Dustin por Dustin Hoffman. Por um tempo, Dustin teve Meg, por causa da Meg Ryan. Um dia, o aquário amanheceu com somente um peixe e Wanda supôs que Dustin havia devorado Meg. Eram absolutamente iguais, mas ela sabia que Meg era vítima, afinal, são os homens que destroem as mulheres. Apesar de triste, perdoou Dustin que era sua única companhia e reproduziu, no aquário, um mar doce e lindo para que o peixe não se sentisse tão solitário.

Uma tarde, Wanda notou o aquário vazio. Revirou as pedras e as plantas: nada. Olhou em volta das bíblias e dicionários, velhos livros de família prontos para reparos: nada. Buscou até na garrafa de tequila: nada. Notou a janelinha aberta da antiga porta de entrada. Não, peixes não saem voando assim. Frustrada com o sumiço do único amigo, Wanda se dedicou mais ao trabalho. Espalhou cartões de propaganda entre os vizinhos do condomínio e logo, logo, apareceu a encomenda do restauro dos sonhos: uma Barsa inteira.

A enciclopédia era de Juvenal, vizinho do lado que disse ser lembrança de infância. Pela intensidade do trabalho, começaram a conversar. Ele também era solitário, também gostava de cinema, mas cinema francês. Um café aqui, um chá acolá e o estrago estava feito: expectativa. Wanda mudou o corte de cabelo, tirou os brincos pendentes antigos do fundo do porta-joias, leu poesia, dormiu com travesseiro de ervas, tomou vinho rosé e se permitiu dançar sozinha na sala: uma salsa colombiana, uma bachata dominicana.

Com a desculpa da lombada do volume dois da Barsa, Wanda vai até o apartamento do vizinho. Antes de tocar a campainha, uma gata malhada salta da janelinha para o corredor. Juvenal abre a porta e chama por Amelie, companheira felina de solidão. Surpresos, todos se encontram e se olham. Juvenal tem olhar de timidez, queria ser mais charmoso como Vincent Cassel em Gauguin. Wanda tem olhar de desejo, queria ser mais sedutora como Meg Ryan em Cidade dos Anjos.

E Amelie, bem, Amelie tem olhar de culpa, queria ser vegetariana, como Babe, o porquinho atrapalhado.


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