Ananyr Fajardo em foto de Alexandre Eckert

Soterópolis

Ananyr Porto Fajardo

Salvattore era genovês e seu horizonte era marcado pelos Alpes Marítimos às suas costas e pelo Mediterrâneo à sua frente. Seus pais eram profissionais de saúde e se conheceram na marinha. Estudou Ciências Sociais, era mestre em Cultura Latino-Americana e doutorando em Economia, concentrando-se na migração de haitianos para a América do Sul no começo do século XXI.

Sottero nasceu em Nápoles. Acostumado ao Vesúvio e ao Tirreno, não se imaginava longe destes gigantes por muito tempo. Filho de um chefe de máquinas de navios de cruzeiro e de uma guia turística, cresceu escutando relatos de jornadas sem fim e lugares surpreendentes. Graduado em Oceanografia, fez mestrado em Ciências Cartográficas e cursava o doutorado em História, com ênfase na migração de africanos do norte para a Europa.

Conheceram-se em um seminário interdisciplinar na Sicília para discutir o acolhimento a refugiados e debateram o direito à expressão religiosa, à segurança alimentar, ao acesso das mulheres à escolaridade e muitos outros temas. Entre mar, céu e o Etna, descobriram afinidades que os levaram a um amor que resistiu a “n” encontros, marcados por setecentos quilômetros de distância percorridos em oito horas ao custo do transporte mais econômico, além das respectivas teses. Entre muito em comum, uma diferença os unia – um lutava contra a perda de direitos dos desprovidos e o outro contra o excesso de bem-estar às custas do restante do mundo. Ambos militavam pela justiça social e, ao concluírem seus compromissos acadêmicos, formalizarem sua união.

Buscaram trabalho onde pudessem viver juntos e, de preferência, nas interfaces entre direitos humanos, promoção de solidariedade e proteção ao meio ambiente. Tentaram sem sucesso em instituições públicas e privadas na União Europeia e candidataram-se para atuar em ONGs além-mar.

Foram viver em um país em erupção, onde um foi aceito como professor-visitante de uma universidade e o outro como diretor de desenvolvimento de uma igreja progressista. Passaram a morar em uma cidade com forte influência africana e com algo que os encantava – cinquenta quilômetros de mar aberto e céu luminoso, emoldurando o verde continental. Hoje são soteropolitanos e pais de Salvador, que os escolheu aos seis anos de idade.

Como dizia Moacyr Scliar, há nomes que condicionam destinos.

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