O casal visita um museu de arte contemporânea. Diante de quadros, esculturas e instalações, esdrúxulas e sem sentido, questionam um guia que, paciencioso, sugere que digam em voz alta o que sentem ao ver cada obra; ao fazer isso, ficariam mais suscetíveis à intenção do artista. E exemplifica: Nessa obra aqui, que parece somente um prato de macarrão num cercado no meio de uma sala pintada de azul e verde, o autor busca representar a fome no mundo, o macarrão usado como alimento universal, mas inacessível. O casal gosta da ideia e continua o tour, praticando o lúdico exercício. Depois de percorrer quase todo espaço, entram por uma porta isolada e, no canto do quarto semi iluminado, vêem o que julgam ser uma instalação. Nela, um vaso de concreto com uma planta feia, descolorida e mal cuidada. Representa o desprezo pela flora, um pedido de socorro da natureza, diz ela, convicta. Acima, uma janela esconde um exterior impreciso. O mistério, a saída, um escape? – questiona ele. Do lado, um espelho envelhecido – a contemplação do próprio ego, a idade e a vaidade. Uma catraca chama a atenção – as esperas e o preço que a vida nos impõe? Mas o objeto mais peculiar estava no centro da obra: uma porta de Opala dos anos 1970 – o passado, o desejo de liberdade, uma viagem em si mesmo, ela diz. Ele concorda. Sobre uma banqueta próxima, vêem um prato de macarrão, com um garfo. Logo concluem fazer parte da obra que, de certa forma, se comunica com outra, aquela da sala verde e azul. Inteligente, diz a moça. Sem dúvida, atesta o rapaz. Nesse momento, homens uniformizados surgem e vão, aos poucos, retirando cada elemento da suposta instalação. Vão remontar a obra em outro local?, pergunta ela. Surpresos com a presença do casal, um deles responde: Não, vamos terminar de recolher essa quinquilharia que encontramos no porão. Tudo lixo. Outro chega, pega o prato de macarrão no banquinho e, de boca cheia, avisa: Vocês não podem ficar aqui no depósito, pessoal. Aqui só funcionário do museu.
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Arte, do latim ars, significa técnica, habilidade. Mas existem “arteiros” que, aproveitando-se do conceito amplo, “fazem arte” como quem faz deboche. Dois casos recentes: um museu de Seul expôs uma instalação peculiar: uma banana grudada na parede por uma fita adesiva. Um estudante de estética visitou e comeu a banana – que logo foi substituída – e afirmou que ele “ter comido aquela fruta também é arte”. Um pintor, na Dinamarca, recebeu quase meio milhão de dólares para recriar obras de arte antigas, mas entregou dois quadros em branco – que foram expostos, diga-se -, e recusou devolver o dinheiro alegando que “A obra de arte é que eu peguei o dinheiro deles”. Parafraseando o ditado: todo dia saem de casa um pseudoartista e um curador néscio. Quando eles se encontram, dá Exposição.
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Toda arte tem que ser bela e fazer sentido. Se alguém disse isso, errou. Na arte, beleza não é fundamental – que o diga a “Vênus de Milo com gavetas”, do Salvador Dalí. Arte também não precisa se explicar, ok, mas tem que causar impacto em quem contempla. Para ser arte, basta ter intenção de ser arte. Será? Mesmo que seja só um prato de macarrão num contexto fluido? Se acha que sim, saboreie, mas não engula qualquer um.
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“A arte existe porque a vida não basta” – Ferreira Gullar está certíssimo.