Verão 83

Minha família tinha uma pequena casa no litoral do RS. Dessas praias com mar revolto, acastanhado e imprevisível.

Nossa moradia era simples- dispunha de sala, cozinha, dois quartos e um banheiro. Para meus pais e mais cinco irmãos já era acanhada. Quando chovia, sem uma rede de entretenimento no balneário, éramos confinados nos angustos aposentos. Terreno fértil para a briga entre irmãos.

Contudo, ainda podia piorar: a chegada de tios, primos e os parentes que nem sabíamos da existência! Se a habitação mal acomodava uma família com oito pessoas, albergar mais de dez beirava a insensatez!

Por óbvio faltavam copos, talheres, pratos, toalhas e cobertas para todos- em se tratando de utensílios. Nem abordei a nevrálgica temática de somente um banheiro para uma multidão de veranistas. Era uma inclemente saga banhar-se sob uma ducha ineficiente e fria. Ainda agravada com as batidas ensandecidas na porta!

Minhas recordações de férias perfeitas eram na areia, jogando bola, queimando a pele embaixo de sol incandescente e arruinando impiedosamente os castelos de areia dos guris menores. Iniciava de manhã e só saía quando a sombra da lua se apresentava no céu.

Esse foi meu último verão antes do meu pai vender o terreno, arrevesado financeiramente.

Os veraneios animados e repletos de balbúrdias foram trocados por recreações nas praças, parques e shopping centers da capital, hostil, cinzenta e patética para a garotada. À medida que crescia menos permissivos ficavam os passeios. A cidade encarcerava a menina faceira.

Atualmente resido num empreendimento imobiliário cheio de torres altas que envolvem a área de conivência social. Com isso, salão de festa, quadras de esporte e a pracinha ficam em perene penumbra.

Do alto do 18º andar observo compadecente, as faces melancólicas de crianças desprovidas de liberdade para brincadeiras sob o resplendor solar. Aliás, com a placidez que encobre a praça, não é possível supor o turno do dia.

Nada como o inesquecível verão de 83.


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