As ruínas da antiga catedral estavam à beira do promontório, na língua de terra que entrava mar adentro pousada sobre a rocha rebatida pelo mar furioso.
O interior do prédio tinha colunas que apoiavam plantas trepadeiras em busca da luz que penetrava através dos grandes arcos, onde ainda restavam alguns vitrais.
Abaixo da abóbada estava a cama onde a mulher dormia enrolada em lençóis brancos. Uma gigantesca estátua feminina velava o sono enquanto gaivotas entravam pelas aberturas em busca de um local abrigado para construir seus ninhos.
Lá de cima a ave a olhava se deliciando com a cena dos cabelos vermelhos espalhados sobre a seda branca.
No seu sonho a voz da deusa falou: concentre-se no que importa. Num sobressalto acordou.
Sentou-se e mirou a pequena estante com livros em frente ao leito.
Pensou com prazer e amor: os livros sagrados.
Mas algo acima das antigas obras chamou-lhe a atenção. Havia várias baratas que voavam sobre os preciosos compêndios.
Não é possível – isso é uma profanação!
Levantou e tentou afastar os insetos com movimentos das mãos, mas eles não a respeitavam. A possibilidade de catá-los era por demais repulsiva.
Decidiu buscar uma vassoura que estava na sala anexa. Entrou naquele depósito de lembranças, onde tudo poderia ser encontrado e esquecido. Um longo corredor se abriu, cheio de outras portas. De uma delas saiu uma mulher que lhe perguntou algo. Logo uma criança passou correndo e em seguida um idoso pediu ajuda.
Tinha que fazer um grande esforço para lembrar o que tinha ido buscar.
Uma voz distante sussurrava: os livros sagrados.
Mais pessoas surgiram e pediam algo ou puxavam conversa.
Com muito esforço ela se arrastou de volta pelo corredor estendendo a mão crispada para a maçaneta redonda que lembrava a da porta da casa de sua infância. Já esquecera da vassoura e do propósito de sair da catedral, mas um último fio de memória lhe dizia: concentre-se no que importa.
Ofegante, entrou na catedral e sentou-se na beira da cama para admirar a estante. Já não havia baratas. Mas os livros sagrados haviam sumido. Foram profanados.