Voltava da fronteira oeste com meus parceiros de pescaria, quando nos deparamos com uma enorme placa na beira da estrada, pintada com letras garrafais: RECEBEMOS SUCATA NOVA. As reações de espanto foram imediatas e paramos para registrar aquela aparição inusitada, em minha Kodak 100. Foi assunto o restante da viagem. Entre risos e apupos, fomos tecendo argumentos, uns aquiescendo, outros refutando aquele marketing criativo.
Passadas três ou quatro décadas daquelas idiossincrasias, encontrei uma imagem com sucatas que, senão “novas”, juntas formam um quadro complexo e representativo de diversas partes da vida de qualquer pessoa, ou de uma pessoa qualquer que busca reinventar-se de tempos em tempos.
O cenário escolhido, um muro velho, de tijolos descascados, com várias camadas de tintas sobrepostas, a demonstrar cada vez que foi renovado. Sobre ele, uma janela parcialmente aberta, por onde se avista, indefinida, a vista, com imagens esmaecidas.
Fixado na parede, um armarinho antigo que serviu para guardar os pertences do banheiro. Na porta, um espelho, onde se barbeava e arrumava-se o cabelo. Hoje, acinzentado e trincado, nada mais reflete.
Um objeto estranho ao ambiente, mas por demais representativo, é a porta dum automóvel Opala, igual ao que meu pai emprestava nos domingos à tarde, para eu passear com a namorada. Foi nele que fomos pescar no rio Uruguai, quando registramos aquela placa marqueteira.
Coisa ainda mais estranha e surpreendente, é a presença de uma catraca colocada ao lado da porta. Pode ter sido desativada recentemente, face a lamentável extinção dos postos de trabalho dos cobradores de ônibus urbanos. Prefiro imaginar que seja aquela que cruzei no estádio Olímpico, ao entregar meu ingresso para assistir o Grêmio ser campeão da América.
Na esteira do bordão: “a arte imita a vida”, pode-se dizer que objetos antigos são partes de nós, e, aglomerados, adquirem novos significados, o que me leva a considerar a existência das tais sucatas novas.