O sabor do saber

Em tempos imemoráveis havia um reino governado por Obatalá. O soberano buscava o homem mais sábio de seus domínios para dar-lhe a grande honraria de ser O Senhor do Mistério. Procurou muito e não encontrou.

Um dia o rei estava sentado, pensativo em seu trono. Foi quando surgiu Orunmilá, um jovem conhecido na aldeia por sua inteligência.

Apesar de reconhecer as capacidades daquele belo homem, Obatalá o considerou muito jovem para um cargo de tanta responsabilidade. Orunmilá argumentou que estava preparado para exercer com maestria a tarefa.

Então, Obatalá propôs um desafio: – Me traga a comida mais deliciosa jamais preparada.

Orunmilá era excelente cozinheiro e dedicou-se a preparar o mais adorável dos pratos. Colheu as melhores ervas de seu jardim e preparou uma língua de touro com inhame. Obatalá sentiu a aproximação do desafiante pelo divino perfume que pouco a pouco preencheu o ambiente. O rei extasiou-se com tão nobre iguaria. Disse ao jovem:

­­- Você cumpriu muito bem sua missão, mas ainda não é suficiente para provar plenamente sua capacidade. Agora gostaria que você trouxesse a pior comida do mundo.

Orunmilá compreendeu perfeitamente a missão e foi ao seu jardim buscar ervas amargas com sabor repugnante. Mudando apenas os temperos, ofereceu ao rei uma língua de touro com inhame, mas, desta vez, completamente intragável, deixando um sabor amargo na boca a partir da primeira mordida.

O rei perguntou a Orunmilá porque tinha feito aquelas escolhas. O jovem salientou o valor simbólico dos insumos que havia escolhido. Argumentou:

– A língua representa tudo o que falamos e expressamos no mundo. Também é o órgão dos sentidos que nos permite apreciar os sabores ou descobrir o amargo e intolerável. O inhame representa o que cultivamos em nossa existência. Nosso jardim é florido, pleno de sabores, perfumes e alimentos nutritivos e gostosos? Ou cultivamos plantas espinhosas e venenosas?

Desde aquele dia Orunmilá tornou-se O Senhor do Mistério, protetor da sabedoria ancestral, aquele que é capaz de ver o invisível.

Este mito pertence à tradição Iorubá. Nele podemos apreciar a metáfora dos sabores que são saberes. A cozinha é lugar de exercício alquímico, onde aquele que prepara o alimento entra em comunhão com quem se nutre daquilo que foi elaborado.

Podemos pensar que tudo o que produzimos é alimento. A maestria está em conhecer cada vez melhor o que fazemos. Aquilo que oferecemos ao mundo (e a nós mesmos) pode alegrar, inspirar e conduzir ao êxtase, assim como pode machucar, envenenar e causar rechaço. Todos temos algo de nobre e belo para partilhar com outros seres humanos.


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