A década era 1970. Do tempo em que as preocupações com a segurança eram pífias. O orgulhoso pai dirigia seu aparatoso “possante”, adjetivo afetuoso para o Chevrolet Opala 1979. Seu Romeu, muito presunçoso, adorava “pisar forte na tábua” para fazer inveja no bairro. Mas se tinha algo que o tirava do sério era uma ínfima sujeira no estofamento e nos tapetes do possante.
Domingos eram dias tradicionais para passeios com quantos coubessem dentro do carro. As crianças ficavam apinhadas no banco traseiro, enquanto as comadres se espremiam para sentar no banco da frente. Glúteos avantajados rendiam discussões acaloradas!
A caçula da numerosa família, miúda e franzina, era a única que dispunha do privilégio de sentar ao lado da janela, à direita. Era frequente estar com o vidro recolhido para receber as carícias da brisa no rosto e nas madeixas escuras. Contudo, desta vez, ela decidiu deixar a janela fechada, a observar o movimento intenso daquele dia cismarento. Avistou de longe um ônibus amarelo. Em sua lateral estava escrito: c a r r i s. Carris! O coletivo tinha um nome e notou que estava lotado! Chamou-lhe atenção que para embarcar, além de pagar, precisa passar por uma… qual o nome, pai? Roleta. Ou catraca.
Imediatamente, a menina fez uma associação: para entrar no carro basta abrir a porta, enquanto para entrar no ônibus, precisa pagar e passar pela c a t r a c a.
No longínquo pensamento da criança, distraída, não percebeu que seu pai avançou o sinal vermelho em alta velocidade e… colidiu no ônibus! Por sorte, ninguém se feriu. As comadres tagarelavam sem parar e lembraram das crianças umas por cima das outras, aterrorizadas com o susto. No coletivo, todos saíram apressadamente, muitos sem pagar, para desespero dos funcionários da Carris.
Logo, apareceu a polícia para verificar a ocorrência:
– Acidente de trânsito, Opala atingiu um coletivo da Carris. Do carro, foi arrancada a porta traseira direita que atravessou a lataria do ônibus e foi parar na catraca, QAP.
Nesse instante, a infante pensou “agora a porta do carro não abre nem fecha e a c a t r a c a não gira… Como entra e sai do carro e do ônibus?”.