Délibáb

Délibáb I

Desce do ônibus e o rastro de pó da estrada veste sua pele, grudenta e impregnada pelas horas e bafos quentes do ar condicionado.

Está só no meio do quase nada, a não ser a ruína à direita da estrada. Olha a porta aberta, boca desdentada por onde a solidão vigia e engole para seu vazio interior.

À sua volta nenhuma casa, nenhum sinal de que a encontrará. Somente pontos esparsos no horizonte sem fim desse pampa em agonia seca.

Ajeita sua mochila, bebe um gole d’água, pensa por segundos se não seria melhor esperar um outro ônibus e deixar que a casa de pedra a habite assim como está – miragem afetiva, lembrança inventada, memória esponjosa e invisível.

Mas segue. Pelo caminho perde a noção das horas. Disseram que não ficava muito distante. O que é perto e longe neste lugar em que a paisagem engole o tempo como aquela boca desdentada feito porta na estrada?

Da sombra da árvore a olha. A casa de pedras mora num espaço aquoso por onde são paridas recordações que escorrem feito chuva, tempestade, relâmpago flamejante que vem e depois se vai no cérebro de sua mãe. Feito miragem; délibáb.

Délibáb II

A casa solitária a mira,
engole o tempo
nesse lugar sem fim.

A casa solitária a engole,
mira nesse lugar
o tempo sem fim.

Nessa casa  sem fim,
o lugar é solidão que
mira e engole o tempo.

Neste tempo de solidão,
a casa mira e engole.


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